Num país como o nosso, com prisões superlotadas e volta e meia palcos de rebeliões e chacinas, é válido lembrar um dos mais famosos textos que denunciaram a dura realidade das prisões inglesas no século XIX — o longo poema “A balada do cárcere de Reading“, de Oscar Wilde, cuja publicação completou 120 anos no último dia 13 de fevereiro.
Condenado por sua homossexualidade a dois anos de prisão com trabalhos forçados a partir de 1895, Wilde viu sua vida ruir: foi à falência (seus bens foram leiloados às pressas antes mesmo do julgamento final), nunca mais pôde ver os filhos e tornou-se um pária. Um dos diretores do presídio de Reading, onde cumpriu a maior parte da pena, previu que o regime de trabalhos forçados a que o escritor foi submetido o deixaria alquebrado e o levaria à morte em poucos anos. De fato: Wilde morreu pobre e esquecido em Paris três anos e meio após sair da cadeia.
Enquanto estava em Reading, Wilde soube que um soldado de um regimento de cavalaria real, Charles Thomas Woolridge, seria enforcado por matar a esposa (cortou-lhe a garganta), o que lhe causou profunda impressão. Teria sido um crime passional. A execução ocorreu em julho de 1896, e o escritor foi libertado no ano seguinte, mudando-se para um chalé em Berneval-sur-mer, na França. Ali começou a rascunhar a balada, que se tornaria sua mais célebre obra em versos.
Dedicado ao soldado enforcado, o poema descreve as sofríveis condições na prisão, o clima de medo e solidão, a rotina de labuta e privações, e chega ao auge com a estrofe:
“Todos os homens matam o que amam
Seja por todos isto ouvido,
Alguns o fazem com acerbo olhar,
Outros com frases de lisonja,
O covarde assassina com um beijo,
O bravo mata com um punhal!”
(Tradução de Oscar Mendes)
Com tais versos, Wilde se compara ao cavalariano enforcado, mas em seu caso foi de sua própria vida social e liberdade que ele deu cabo, ao tentar processar o marquês de Queensberry, pai de seu amante, Alfred Douglas, e ver o governo britânico se voltar contra si.
O poema, última obra literária do escritor irlandês, teve seu esboço inicial escrito em apenas 12 dias, segundo o biógrafo Richard Ellmann. Depois foi revisado e aumentado. No total são 109 estrofes com seis versos cada uma, alternados entre oito e seis sílabas. Mas uma versão com 63 estrofes também apareceu em edições póstumas, editadas por Robert Ross, melhor amigo, amante e testamenteiro literário de Wilde. Numa reedição de 1921 de “Selected poems – Oscar Wilde“, originalmente publicada em 17 de agosto de 1911, Ross apresenta as versões completa e a condensada, indicando que a última deriva “do esboço original. Ela foi incluída para beneficiar récitas cujas plateias acharam o poema muito longo para declamação”. (Uma leitura magistral do texto em inglês está no YouTube. O poema original em inglês pode ser encontrado aqui.
Ross também nota que a balada representou a volta de Wilde à poesia após 16 anos mergulhado em prosa e teatro, com a notável exceção de “A esfinge”, de 1894. O poema foi inicialmente publicado pelo editor Leonard Smithers sem o nome do autor e com o pseudônimo C.3.3, que indicava a cela onde Wilde ficava. Só após sete edições seu nome foi revelado, e mesmo assim ao lado do C.3.3, entre parênteses, na folha de rosto. Segundo Ellmann, entre 1898 e 1899 foram vendidas cerca de 4.100 cópias (até a sexta edição). Uma tradução francesa feita por Henry Davray saiu ainda no final de 1898.
“Estou tão feliz com o sucesso de meu poema na Inglaterra”, escreveu Wilde a um amigo. “Mas é o meu canto de cisne, e sinto ter de partir com um grito de dor; mas a Vida que tanto amei — amei demais — me dilacerou como um tigre (…). Não creio que escreverei novamente; la joie de vivre se foi.”
Dito e (não) feito. A chama wildeana se apagou em novembro de 1900 em Paris. Mas “A Balada…” permanece. Dela saiu o próprio epitáfio de Wilde: “Por ele se encherá de alheia lágrima/ A urna partida da compaixão,/ porque por ele chorarão os proscritos/ E os proscritos sempre choram“.
André Machado é jornalista, rockeiro, bluseiro, amante da boa literatura e uma das pessoas mais especiais que já conheci. Difícil encontrar algo que ele não faça bem.