O Brasil é mesmo um país muito peculiar, não importa sob qual aspecto olharmos. Um dos últimos exemplos é a série de situações que envolvem a telefonia celular no país e na época da Copa do Mundo. Que o Brasil é um dos maiores países em volume de aparelhos pré-pagos no mundo não é novidade. Que a qualidade do serviço é precária até mesmo nas grandes cidades, também. Mas o que impressiona é a total falta de foco de autoridades na condução de políticas e ações que realmente venham se traduzir em alguma melhora no serviço ou benefício ao consumidor.
Na mesma época na qual autoridades anunciam que celulares não testados pelos órgãos competentes (Anatel), uma outra série de problemas bate a nossa porta, sem maior preocupação dessas mesmas autoridades. Primeiro vamos deixar claro que só os muito inocentes podem acreditar que essa censura aos aparelhos Xing-Ling tem relação com o bem estar e com a segurança dos consumidores. Como sempre acontece, uma cortina de fumaça é levantada para encobrir ações que visam apenas defender interesses econômicos sob a bandeira do bem estar social. Que os aparelhos Xing-Ling devem ser combatidos – por conta da má qualidade – ninguém discute, mas seria muito mais importante para o brasileiro que se fiscalizasse a qualidade dos serviços oferecidos pelas operadoras e as razões para que os aparelhos vendidos por aqui sejam tão caros.
Na Europa, por exemplo, é possível comprar um chip 4G com validade de 1 mês por meros R$ 40. Caso prefira um combo com um aparelho (médio), fica por aproximadamente R$ 350. Esses preços nos fazem pensar o porquê de um smartphone médio custar mais de R$ 1 mil e dos planos de internet (longe de entregarem o 3G prometido) sejam tão caros. O capitalismo é ótimo, mas a fiscalização é sempre necessária.
Outro ponto interessante desse bloqueio é o timing. Ele acontece (em fase de testes) exatamente na época que o Brasil vai receber milhares de turistas por conta da Copa do Mundo. Podem até dizer que esse bloqueio só irá acontecer efetivamente após o torneio, mas essa é apenas uma meia verdade. Meia verdade porque vários aparelhos vendidos na Europa e nos Estados Unidos não foram analisados pela Anatel ou porque muitos deles não operam nas frequências usadas no Brasil. Pior, nem nos estádios – que precisariam de pelo menos 90 dias para que o sistema fosse implantado – ele vai funcionar, já que alguns serão entregues a menos de um mês do início da competição.
“O leilão da faixa de 2,5 GHZ ocorrido em 2012, que inaugurou a era 4G no Brasil, teve como principal objetivo cumprir uma exigência da Fifa para a Copa do Mundo. Tal cobrança, bastante razoável assevere-se, tem como fundamento garantir que os torcedores pudessem compartilhar os melhores lances do evento com seus amigos mundo afora.
Dizer que o Brasil não cumpriu a exigência não podemos, pois há 4G nos estádios, só que não disponível aos torcedores – de muitos países do mundo – conforme era a intenção da Fifa. Explico. A faixa de frequências de 2,5 Ghz não é utilizada pela maioria dos países da Europa, nem por países como os EUA, por exemplo. Não bastasse esse fato, agora o bloqueio de celulares pode atingir inclusive consumidores daqui que adquiriram equipamentos nos EUA e Europa, compatíveis com o 3G brasileiro.
O Governo Federal prejudicou a indústria brasileira, usuária da faixa de 450 mhz e criou uma hipervalorização das frequências do 4G, encareceu a conta do consumidor e inviabilizou que muitos dos celulares de estrangeiros funcionem na Copa do Mundo”, explica Adriano Fachini, residente da Aerbras – Associação das Empresas de Radiocomunicação do Brasil.
Pelo jeito, o governo está preocupado com a saúde financeira de empresas como a Motorola, Samsung e similares, e não com salvar alguma pequena parte da organização do mundial e da imagem do nosso país.
A coisa fica ainda mais surreal se pensarmos que onde os celulares e smartphones não deveriam funcionar (dentro dos presídios, por exemplo) o seu uso é mais eficiente do que dentro de muitos lares espalhados nas grandes capitais do Brasil. Falam em “falta de vontade política” – uma expressão que nunca desceu pela garganta -, mas acho que falta mesmo é vontade (ponto).
A segurança no Rio (apenas para me prender a cidade com mais visibilidade do país) é colocada em cheque e as autoridades de segurança admitem que ordens para crimes e ataques a alvos policiais vêm de presídios. Penso se não seria mais importante cuidar desse problema do que procurar proteger a indústria (nem tão) nacional.
Mas, como sempre, existe a possibilidade da minha opinião estar totalmente errada (sqn).