Matéria publicana neste domingo (8/1/2012) no jornal O Globo mostra o estado deplorável no qual se encontra o Canecão, 15 meses após a sua reintegração a UFRJ. O estado é de total abandono e confirma o que disse na época da desapropriação: “Isso é uma estupidez”. Abaixo um trecho do meu post de 12/5/2010:
Transformar o imóvel em espaço cultural, artístico, científico e acadêmico, é PIADA! Saber que o ministro da Educação apoia a ideia e que nosso prefeito não partiu para tentar qualquer solução que mantenha o Canecão em funcionamento é triste.
Nada mudou! A UFRJ continua sendo uma instituição incompetente para gerir o espaço, diferente do que pode acontecer na gestão do seu ensino. Saber que membros da chamada academia se recusam a sequer admitir passar parte da gestão para alguma empresa ou grupo de pessoas fora da instituição é prova de que vivem dissociados da realidade. Querer criar algo como um Centro Cultural é ridículo! Centro Cultural, na visão dos nobres membros do Conselho Universitário, o fórum de 50 integrantes (afora os suplentes) pelo qual passa toda decisão importante tomada na UFRJ, é sinônimo de atrações que não interessam ao público do Rio e nem mesmo aos estudantes, que poderiam ser obrigados a prestigiar o espaço.
Que não queiram negociar com um ex-proprietário que, segundo eles, é trambiqueiro, pode-se compreender, porém não ter a humildade em admitir a sua falta de habilidade em manter um espaço histórico para a cidade, a música e para o País, deixa a impressão de que eles realmente acham que sabem o que estão fazendo e que são os únicos que sabem como resolver os problemas do mundo.
O que deviam faze é, sim, passar o controle para a iniciativa privada, mas tendo a competência de fazer um contrato menos imbecil e prejudicial do que o anterior (será que não há um bom advogado na UFRJ para produzir um documento razoavelmente justo e que não permita que o problema de luta pela posse do imóvel se repita?).
A academia deve estar feliz em ver Roberto Carlos e Chico Buarque falando publicamente que sentem não tocar no Canecão. Também devem estar felizes em saber que um espaço voltado para a comunidade acadêmica não deverá ser utilizado por plebeus da música mundana ou por qualquer evento relativo aos Jogos Olímpicos ou a Copa do Mundo. Afinal, quem precisa disso? Precisamos é de salas de cultura, onde possamos ver curtas-metragens ou exposições de fotos ou mesmo de obras de arte feitas de barro, sei lá.
Leia a matéria do O Globo:
Só há três focos de luz no Canecão: dois sobre o palco e um à esquerda de quem entra naquela que, até ser fechada, em outubro de 2010, era a mais famosa casa de shows do país. O desligamento quase completo da energia é necessário, pois as infiltrações tornam o espaço vulnerável a curtos-circuitos — como já aconteceu. Chuvas fortes provocaram a queda de telhas, molharam o célebre salão e vêm derrubando o revestimento acústico de polipropileno, origem do forte cheiro de mofo.
A visita do GLOBO na última quinta-feira foi o primeiro passeio da imprensa por todos os escombros do Canecão: centenas de cadeiras sobre as mesas, palco e camarins vazios, poeira farta e quatro pontos de acúmulo de água, dos quais um, no sistema de refrigeração, é um foco de dengue comprovado pela Vigilância Sanitária na terça-feira passada.
Proprietária do terreno, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conseguiu reavê-lo em 2010, após longa briga judicial com o empresário Mario Priolli, que fundou o Canecão em 1967 e era inquilino da instituição. Mas ainda não superou dois empecilhos à reabertura: os problemas judiciais de Priolli e as divergências internas quanto a como geri-la.
Quando a Justiça determinou a reintegração de posse, o empresário paulistano, neto de italianos, foi embora e deixou para trás mesas, cadeiras, o sistema de ar-condicionado e outros bens (depauperados, mas bens). Eles foram penhorados como garantia, já que são muitas as dívidas de Priolli. Enquanto as pendengas não forem resolvidas, a UFRJ não pode usar os equipamentos nem se desfazer deles.
Para não assistir à casa cair, a universidade começará na terça-feira a orçar uma obra emergencial que, ao menos, reforce a cobertura, diminua o assumido (pela direção de gestão patrimonial e pela subprefeitura do campus da Praia Vermelha) risco de incêndio e torne utilizável o anexo, batizado de Canequinho.
Projeto de gestão partilhada
Paralelamente, outra batalha será travada no Conselho Universitário, o fórum de 50 integrantes (afora os suplentes) pelo qual passa toda decisão importante. A reitoria pretende propor uma gestão partilhada: de segunda a quinta-feira, a área seria destinada a atividades da universidade, artísticas (Escola de Música, Escola de Belas Artes etc.) ou acadêmicas, abertas ao público ou não; de sexta a domingo, programação de shows, na linha tradicional do Canecão.
— É um modelo que comporta as expectativas internas e externas; os interesses da comunidade acadêmica e da sociedade — diz o reitor, Carlos Levi.
O problema é: quem será o responsável pela programação de sexta a domingo? Quando Levi assumiu, em 30 de junho passado, seu antecessor, Aloísio Teixeira, tivera várias reuniões para debater o assunto, inclusive duas amplas. Na primeira, em fevereiro, conversou com gente da área de música como a presidente do Museu da Imagem e do Som, Rosa Maria Araújo, o pesquisador Sérgio Cabral, o empresário José Fortes, o cantor Jorge Vercillo e uma das donas da gravadora Biscoito Fino, Kati Almeida Braga. Apontou-se para a criação de uma fundação ou Organização Social que buscasse recursos privados e permitisse uma gestão empresarial nos fins de semana.
No segundo encontro, em abril, no próprio Canecão, e com a presença de mais representantes da universidade, a proposta sofreu críticas porque, após ser reconquistado, o espaço estaria sendo novamente cedido à iniciativa privada. Simbolizando a falta de avanços, as mesas e cadeiras da reunião estão na mesma posição até hoje.
— A gente fica vendo aquelas faixas e pichações raivosas (“O Canecão é nosso”, “Não à privatização”), e parece que as pessoas estão nos anos 1960. Enquanto isso, a cidade perde um espaço dessa importância, que vira foco de dengue — lamenta um dos interlocutores da reitoria, Vinicius França, empresário de Chico Buarque, que sempre fez seus shows no Canecão e precisou se mudar neste ano para o Vivo Rio.
— Aquele ponto é tão bom que até uma coisa assim (ter a casa apenas três dias por semana) é estudável — diz o empresário Ricardo Amaral, que, ao lado do sócio Alexandre Accioly, conversou com o antigo reitor.
A Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj), cuja diretoria tem filiados a partidos como PCB, PSTU e PSOL, é contra a parceria com setores privados e pede um “projeto cultural para a cidade com cara própria, inovadora”, segundo seu presidente, Mauro Iasi. Mas muitos professores, como representantes de Letras, da Casa da Ciência e da Editora da UFRJ, aprovam a entrada de recursos externos, embora a gestão deva ser pública.
O Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ — cujo leque partidário inclui PT, PDT e PSB — está afinado com a Adufrj e diz que basta “vontade política” para dinheiro federal ser injetado no Canecão.
Dentre os alunos, o GLOBO ouviu representantes do Diretório Central dos Estudantes e da Associação de Pós-Graduandos. Há quem considere saudável a abertura nos fins de semana para eventos comerciais, mas todos defendem controle público, para que eventuais receitas externas fiquem na UFRJ.
Para tentar vencer as resistências no Conselho Universitário, o reitor acredita que a melhor solução seja não abrir mão do controle. Segundo Levi, abrir um edital de ocupação para avaliar projetos poderia ser uma forma relativamente ágil de implantar programações sem que elas fiquem à mercê de desejos empresariais. Ainda assim, a Procuradoria Geral da República precisará aprovar o modelo.
Prefeitura como alternativa
Uma opção de parceria entre entes públicos, admitida como possível pelo reitor, seria com a Prefeitura do Rio. O prefeito Eduardo Paes tem pedido à UFRJ a reabertura para breve da casa de shows, por causa da falta que faz à cidade e já pensando nas opções culturais para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016. Na próxima quarta-feira, o pesquisador musical Ricardo Cravo Albin, um dos líderes do movimento de tombamento cultural do Canecão (ocorrido em 7 de outubro de 1999 por iniciativa do então deputado estadual Sérgio Cabral Filho), se encontrará com o prefeito pedindo essa parceria.
No ano passado, a UFRJ contratou o produtor Adonis Karan (ex-TV Tupi, TV Globo e organizador de festivais como o MPB Shell) para realizar um levantamento de preços e um estudo de programação — com atividades universitárias de segunda a quinta — visando à reabertura. Chegou a acertar com Maria Bethânia um show em março, mas não há como saber quando haverá condições de o público voltar a entrar no Canecão.
Aliás, como a marca pertence a Priolli, Karan sugeriu como novo nome Solar das Artes, alusão ao Solar da Fossa, que existia onde hoje é o shopping Rio Sul e no qual moraram Caetano Veloso, Paulinho da Viola e diversos artistas.