O quarto dia do festival – o último de shows no palco da Cidade do Jazz, na Costazul – amanheceu nublado e sob muitas expectativas de quem frequentou o hotel onde estavam hospedados os astros do evento. A grande dúvida de todos era se T.M. Stevens, o mais extrovertido músico que já passou pelo evento, iria cumprir a promessa de fazer um show que unisse Led Zeppelin a James Brown. A cantoria durante todo o dia e a bela quantidade de caipirinhas ingeridas pelo baixista eram apenas mais um elemento da equação.
Particularmente, minha preocupação era que, apesar da qualidade dos músicos, teríamos dois shows com band leadres baixistas e outro no qual o astro era um gaitista. E, como todos devem saber, solos de baixo e de gaita em todas as canções são sempre algo perigoso. Ou a noite seria inesquecível por ser sensacional ou por ser um fiasco total.
Durante a tarde, shows na Praia de Iriry (Michael Landau) e Tartaruga (Michael “Patches” Stewart), com São Pedro dando mostras de que não estava de bom humor. O público prestigiou, mas se molhou. E, por conta do mesmo São Pedro, a organização decidiu atrasar um pouco o início dos shows da noite. Não adiantou.
O primeiro a desafiar a chuva e subir ao palco foi Victor Bailey e sua banda. O baixista começou logo mostrando o porquê de ser considerado um dos mestres do instrumento e confirmou a convicção de que ninguém toca no Weather Report de graça. sentado, Bailey mostrou técnica e escalas improváveis, em números que alternavam fuzzion, jazz e funk. Antes da metade da apresentação a platéia, que se protegia como podia, deixou a chuva para lá e chegou diante do palco para ver melhor um dois melhores shows do festival. Bailey saiu sob muitos aplausos, desfazendo a primeira possibilidade de desastre.
Depois, chegou a hora mais blues do ano em Rio das Ostras. O gaitista Rod Piazza e seu grupo The Mighty Flyers levantaram a bandeira da mais pura tradição do ritmo, alternando números dançantes com outros mais clássicos. O destaque da banda era a tecladista Honey (esposa de Rod) que, numa noite recehada de baixistas espetaculares, ficava responsável por emular o instrumento no seu teclado. Rod também deu espaço para que cada um da banda fizesse um número solo e abriu até mesmo concessão para o boogie woogie anos 60. Outro dos melhores shows de toda a programação.
Bem, chegava a hora do louco Stevens entrar em cena e uma multidão invadiu o palco. Praticamente todos os fotógrafos, jornalistas e membros da produção se aglomeraram para ouvir (e ver) de perto o som de T.M. Stevens, Delmar Brown (tecladista que já tocou com Sting, entre outros), Cindy Blackman (segurando as baquetas) e Blackbyrd Mcknight (pilotando as guitarras). Após alguns pequenos problemas técnicos que atrasaram um pouco o início da apresentação e aumentaram o nível de ansiedade, as cortinas se abriram. Bem, logo nos primeiros acordes foi possível perceber que nunca antes um som tão pesado havia sido incluído na programação e que nunca um artista com tanto carisma havia subido naquele palco. T.M. misturou soul, funk (o bom e verdadeiro, dos Estados Unidos), com rock e até mesmo um pouco de jazz.
– É muito bom ver tanta gente reunida para ouvir música de verdade. De onde venho, só se consegue reunir tanta gente se for para ouvir Lady Gaga. Que diabos é isso? MTV can kiss my ass – detonou logo no início do show, com sua voz de trovão e do alto de seus quases 2 metros.
Mas era apenas o início da festa. Stevens é daqueles que não interagem com o público, ele interage com qualquer um que esteja por perto. E os números iam se sucedendo numa espécie de improvisação organizada. Até mesmo um funk, criado durante a tarde no hotel onde estava e que tinha como base o refrão de Shake Your Booty (KC & The Sunshine Band) foi apresentado. Shake Your BUNDA, virou hit e podia ser ouvido pela cidade mais de 24h depois de tocado na Costazul. Isso sem contar que chamou todo mundo para o palco – literalmente arrastando alguns – para dançar. Era a criação dos Bunda Shakers. Com citações a James Borwn, Michael Jackson e outros ícones da música, Stevens também aproveitou para solar seu baixo iluminado, sempre com o uso do wah-wah. Isso, claro, para terminar com uma multidão no palco, dançando e pulando e mais outras 13 ou 14 mil fazendo o mesmo na platéia. Sem dúvida, o ponto alto do festival!
Mas ainda faltava uma atração e a pergunta que aparecia na mente de todos era: O que Glen Davis e seu trombone poderiam fazer para manter a atenção da platéia depois do furacão? Seria como tocar em uma terra devastada. Uma tarefa nada fácil. Mas, ao contrário do pensamento da maioria dos críticos, Davis entrou no palco disposto a tudo para não deixar a platéia lembrar do que tinha acontecido antes. Com uma série de clássicos do rock como Shake, Rattle and Roll, da música pop (What a Wonderful World) e do jazz (When The Saints Go Marching In?) e muito suor, o americano caiu nos braços do público e fechou os shows do palco principal em altíssimo nível. Seria outro candidato a melhor atração, caso não houvesse o tal T.M. Stevens.
No fim, o melhor dia das últimas quatro edições e talvez de toda a história do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival.
No domingo ainda teríamos o repeteco de Victor Bailey (Iriry) e T.M. Stevens (Tartaruga), mas a história já havia sido escrita.
Vídeos: Fernando de Oliveira.