Cinebiografia do Tremendão retrata um gigante roqueiro gentil
Minha Fama de Mau, cinebiografia baseada no livro escrito por Erasmo Carlos e o jornalista Leonardo Lichote, e que chega aos cinemas nesta quinta-feira (14) bebe na fonte dos recentes Bohemian Rhapsody, que conta a história de Freddie Mercury, Nasce uma Estrela e do vindouro Rocket Man, que vai contar a história de Elton John.
Com estreia marcada para esta quinta-feira (14), o longa, dirigido por Lui Farias, filho de Roberto Farias, que dirigiu a trilogia histórica trilogia de filmes protagonizada por Roberto Carlos — Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa (1968), Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1970) e Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora (1971) — segue um caminho parecido com os filmes do pai.
Apesar de tentar contar uma história real, há humor, fantasia e algumas licenças poéticas e temporais que tornam o longa mais leve e menos preciso.
Bom elenco
Se a caracterização deixa a desejar na comparação, principalmente, com Bohemian Rhapsody, não há como negar que Chay Suede (Erasmo), Gabriel Leone (Roberto Carlos),
Malu Rodrigues (Wanderléa), Bruno de Lucca (Carlos Imperial) e Bianca Comparato (que interpreta vários personagens femininos – Nara, Samara, Clara, Lara e Sara) fazem um bom trabalho.
Vale destacar as interpretações de Isabela Garcia (como Diva, mãe de Erasmo) Paula Toller (Candinha) e Vinicius Alexandre (que rouba as cenas como Tião “Tim” Maia.
O elenco é um dos trunfos do filme, que sofre com um roteiro frouxo e que vai apenas até meados da década de 70, deixando de fora muitas histórias e canções.
Não vemos menção aos sucessos escritos por Roberto e Erasmo para o Rei ou aos hits da carreira do Tremendão, como Mulher, Panorama Ecológico, Filho Único ou Pega na Mentira.
Muito bonzinho
Minha Fama de Mau pode até não ser considerada uma verdadeira biografia, já que fica focada na história do jovem Erasmo, desde os tempos de pobreza na Tijuca, quando fazia pequenos roubos com os amigos de bairro, entre eles nomes como os de Tião (Tim) Maia e Jorge Ben.
O Erasmo do filme é família, amigo, cheio de inseguranças e contradições. Uma visão que fez o próprio Erasmo perguntar ao diretor a razão de ter sido retratado tão bonzinho. A razão? Não sabemos.
Mesmo nas cenas nas quais o filme retrata o sucesso da Jovem Guarda — o movimento musical e o programa de TV liderado pelo trio Roberto, Erasmo e Wanderléa — o que se vê é um homem íntegro, apaixonado pelo rock and roll e consciente da qualidade da música que produzia.
Trilha original
Um dos trunfos do filme é que a trilha sonora é interpretada pelos próprios atores, deixando de lado as normalmente péssimas dublagens da maioria das produções do gênero.
As canções, que contam com a banda que acompanha Erasmo nos palcos, são afiadas e trazem frescor aos sucessos do início da carreira do Tremendão, do Rei e de Wanderléa.
Eu Sou Terrível, Gatinha Manhosa, Negro Gato, Parei na Contramão e a faixa-título ganham destaque e não decepcionam em relação aos registros originais. Infelizmente, a fase mais adulta do compositor é praticamente ignorada, apenas com algumas canções sendo usadas como trilha incidental, o que deixa de fora muita coisa da ótima safra recente do artista.
— Eu ouço de tudo o que aparece na internet, na TV ou no rádio. Algumas vezes eu ouço e falo: “Boa Música”, mas logo em seguida já estou ouvindo outra coisa. É muito grupo, muita música, muita informação, muitas cantoras. Isso acaba confundindo a cabeça da gente. Não dá para seguir e conhecer todo mundo. Já desisti disso faz muito tempo. Quando eu quero mesmo ouvir música, eu ouço meus discos antigos de rock básico, bossa nova, etc” — revelou Erasmo.
Licenças poéticas e fim abrupto
Apesar de ir apenas até meados dos anos 70, o filme se utiliza do recurso de transferir certos eventos para datas bem diferentes das verdadeiras, para acomodar esses acontecimentos nas pouco mais de 2 horas de duração. É o caso da cena onde Roberto mostra a canção Amigo para Erasmo, que no filme se passa muitos anos antes do que realmente aconteceu.
Vale destacar que as razões que formataram tal amizade não são muito exploradas, um dos principais defeitos do roteiro.
O filme termina com cenas gravadas pelo Tremendão e família na intimidade. Suas paixões — incluindo o Vasco da Gama — aparecem nos registros que ilustram os créditos.
Relembrando o século passado
A reconstituição de ruas e prédios do Rio e São Paulo do século passado são muito boas, assim como as cenas de arquivo que mostram as duas cidades.
Até para quem não viveu essa época as imagens devem acender a curiosidade pela história de um tempo onde tudo parecia (e era) mais lento e mais pessoal.
A produção teve a preocupação de reconstruir com detalhes um Brasil (Rio e São Paulo) da década de 60, onde as pessoas e a música eram mais ingênuos e até o trânsito era menos feroz. Esse detalhe pode não fazer diferença na história, mas é muito bem vindo no conjunto final da obra.
Diversão garantida
Minha Fama de Mau é diversão garantida. Não deve ganhar o Oscar ou concorrer a prêmios importantes, mas serve como documento de um dos mais importantes movimentos musicais da história do país e parte da trajetória de um dos maiores compositores da nossa época.
As imagens de Erasmo e Roberto na pré-estreia são para guardar para a posteridade.
Cotação: *** ½
Ouça a trilha do filme
Fotos: Divulgação e Rogério Resende
Uma versão deste texto foi publicada na Revista Ambrosia.