Os governantes brasileiros – em todos os níveis – têm o péssimo hábito de se apoderarem de marcas que deveriam ser para o bem público e as utilizarem para outros fins. Um dos casos mais gritantes é o uso da Lei Seca para angariar fundos, com multas relacionadas a quaisquer outros aspectos, que não o consumo elevado de álcool.
Aliás, antes de entrar no mérito das blitzen, é importante lembrar que já existia uma (ótima) lei sobre o assunto, mas que, por falta de vontade e pelos poucos lucros para os cofres públicos que poderia render, ficava esquecida e sem fiscalização.
Hoje, nossa legislação é uma das mais duras do mundo, mas os resultados, em termos de vidas salvas, são, se formos muito bacanas, pífios. Em todas as partes do Globo onde o número de acidentes diminuiu, além de ações educativas e da fiscalização (necessária) o item que mais trouxe resultados foi a conservação e sinalização de ruas e estradas.
Infelizmente, para nós, conservação implica gastar dinheiro e ter trabalho, coisas que não fazem parte do cotidiano dos nossos políticos. É muito mais fácil desviar policiais para blitzen sob a bandeira da Lei Seca e arrecadar com os motoristas que andam com o IPVA atrasado.
Quantas ruas esburacadas, vias importantes mal sinalizadas ou estradas sem condições de receber tráfego vocês conhecem? Quantos motoristas despreparados vocês encontram rodando por ai? Não vale responder com vias que possuem e cobram tarifas abusivas de pedágio (outro mal da nossa época).
Você sabia que menos de 1% (um por cento) dos motoristas abordados nas pseudo operações da Lei Seca são multados ou têm seus carros rebocados por motivos ligados ao álcool? Agora, imagine se você contrata alguém para limpar a sua cozinha e ele só consegue fazer isso cada 103 tentativas, mas, em compensação, ele cozinha pratos da alta gastronomia todos os dias. Bem, não seria melhor trocar o nome da função desse cidadão de lavador de janelas para cozinheiro, certo? É exatamente o que acontece todos os dias em vários estados. Formam-se operações para arrecadar com multas, mas usa-se o nome Lei Seca, para tentar dar alguma legitimidade a ação.
Os mais apressados vão lembrar que os números de mortes vêm caindo desde as festas de fim de ano de 2012 e que o carnaval foi mais uma prova da eficácia da aplicação da lei. Segundo a PRF, houve queda de 18% no número de mortes, de 19% no total de feridos e de 10% no número de ocorrências. Em seis dias de operação, foram 3.149 acidentes, com 157 mortes e 1.793 feridos. Em 2012, a PRF contabilizou 3.499 acidentes, com 192 mortes e 2.207 feridos.
Mas é prematura qualquer conclusão. Vale lembrar que não tivemos chuva durante o carnaval, o que, segundo estudos, aumenta em mais de 15% o número de acidentes. Caso isso seja uma verdade científica, o resultado seria praticamente o mesmo do ano anterior.
Espero que alguma autoridade que seja pega em uma blitz após ingerir um inocente bombom de licor não tente escapar das punições, que parecem só atingir pessoas comuns ou pseudo celebridades.
A nova Lei Seca brasileira é mais rígida que 63 nações, iguala-se em rigidez a cinco e é mais tolerante que outras 13, sendo que entre os 63 países menos rígidos estão Áustria, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Irlanda, Itália, Bélgica, Finlândia, França, Grécia, Holanda e Portugal. Todos países com tradição na fabricação e consumo de bebidas muito mais antigas e enraizadas que as nossas.
Estaríamos certos e esses países errados?
Fotos: Rogério Santana/Divulgação