Tenho amigos que moram na Urca, adoro o Bar Urca, o pôr-do-sol e os petiscos servidos na mureta da…praia. Não moraria lá (acho), mas o bairro é simpático. Fico sempre triste quando passo pelo prédio da TV Tupi e vejo o abandono de um local que faz parte da história do país.
Tenho amigos que acham que os flanelinhas deveriam ir para a câmara de gás. Segundo eles, um holocausto do bem. Não sou tão radical, mas em alguns momentos fico achando que um bom corretivo faria bem – aos flanelinhas e também aos presidentes de associação de moradores.
A esta altura alguém já deve ter perguntado onde as duas coisas se encaixam. Bem, após anos sem rumo, a prefeitura resolveu passar o prédio do ex Cassino da Urca para um grupo privado que instalaria ali o Instituto Europeu de Design (IED). Lá, aconteceriam aulas, eventos, exposições e todo o tipo de movimentação cultural sobre design. Infelizmente, um juiz (letra minúscula com fonte bem pequena) decidiu proibir a instalação do IED.
Mas a revolta vem mesmo quando ouço a presidente da associação de moradores da Urca (novamente em letra bem pequena) dizer que o IED iria tumultuar o bairro e deixar o trânsito impraticável. Fico imaginando como era o trânsito na época da TV Tupi, quando os equipamentos eram gigantescos e a maioria da programação era feia ao vivo. Ou seja, muita gente indo e vindo no bairro o tempo todo. Seria lá um local calmo?
Tem mais: a tal presidente ainda disse que o bloco de carnaval que homenageou o Rei Roberto Carlos, no carnaval, parou o bairro por 2 horas, transtornando a vida dos moradores, mas que ela, como fã do Rei, fez parte da festa e do bloco.
Na boa, tem muita gente sem noção nesse mundo. Sugiro que se doe o prédio para uma rede de TV ou que facemos uma lei que permita o funcionamento de um cassino no local. Com certeza o bairro vai ficar bem mais calmo do que com o IED e ainda estaremos preservando as características da construção e a história do país.
Bom, é bem diferente UM dia de bloco e caos (ainda que tenha sido um caos total) do que TODOS os dias de IED, né?
O que aconteceu na Urca é de difícil análise por quem está de fora porque a imprensa como sempre ignorou o andamento das coisas.
Em 2004, em plena campanha eleitoral do município, Cesar Maia e Sirkis foram à Urca e, em grande cerimônia, anunciaram o Museu do Rio no antigo prédio do Cassino da Urca, adotado na década de 60 pela TV Tupi e depois do fim da tv, por algumas produtoras de vídeo. Naquele momento, nada estava sendo feito por lá.
O Museu do Rio guardaria mapas, fotografias, objetos, etc, e teria um pequeno cinema (de 50 lugares) e um bistrô. No cinema, só programação especial, fora do circuitão.
Percebe-se aí um impacto X no trânsito. Foi feito um RIMA, que detectou leve impacto no meio ambiente como o aumento do consumo da rede elétrica e o maior uso da rede de esgoto e pluviais. Não passaria muito de 40 ou 50 funcionários, o tal museu.
Ponto.
Passaram-se dois anos sem que a obra do Museu do Rio sequer iniciasse. E olha que o uso do local como museu foi discutido à exaustão com moradores, associados ou não. O que Cesar e Sirkis (hoje inimigos) fizeram foi apenas confirmar uma decisão local, do pessoal que paga um imposto caríssimo por aquilo ali pert.
Outro ponto. E parágrafo.
Ao cabo de dois anos, de repente, sem mais sem menos, sem que um representante da prefeitura sequer consultasse a associação de moradores, decidiram que ali seria o IED. Que iria ter cursos e aulas para uns 500 alunos.
Fora professores, funcionários e visitantes, o aumento na circulação diária de pessoas e carros seria da ordem de uns 50%, em um bairro que está estagnado ao ponto de os ônibus já saírem de lá absolutamente lotados. Nem fizeram RIMA, aproveitaram o RIMA da obra anterior, o que é um absurdo. O mesmo que fazer um RIMA para construir uma piscina de criança mas aproveitar o mesmo para fazer um estádio de futebol…
Não há vagas de estacionamento para um décimo dessa gente toda. Ônibus, não tem o que aguente – ainda mais com os alunos da UFRJ, UNI-Rio e outros cursos já existentes.
Na época da TV Tupi (década de 70), a população BRASILEIRA era metade da que temos hoje. Nem todo mundo tinha carro. Havia filas enormes para o Programa do Chacrinha e do Renato Aragão. Mas o bairro tinha menos moradores, menos carros, menos tudo. Mais árvores, água da Baía mais limpa. Era um outro Rio, não esse em que até dentista tá lotado no fim de semana.
Logo, as preocupações dos moradores da Urca não são assim nenhuma ilha de imbecilidade. E acho até justas – pelo menos são reclamações contra uma iniciativa que é também de “elite” (os cursos são na faixa de 2 mil mensais).
Se a imprensa ouvisse mais os moradores, a maioria das pessoas entenderia os motivos da rejeição ao IED.
A questão é polêmica e complicada. Tanto é que, mesmo os que somos contra o IED em si, aplaudimos a obra, o prédio ficou bonito e tudo o mais. Mas qualidade de vida nem sempre tem a ver com beleza.
Exatamente isso, no tempo do cassino e no tempo da TV Tupi, havia, talvez, um terço dos veículos e metade da população que hoje temos no Rio de Janeiro. Falar que a Urca é uma “ilha de imbecilidade” é realmente desconhecer as demandas do bairro e exercer, na plenitude, o direito de ser “imbecil”.
Achar que eu escrevi que a Urca é uma ilha de imbecilidade me parece imbecil!