Ao contrário das empresas brasileiras, que preferem apostar no downsizing ao invés de investir em novas práticas, o New York Times mostra que é possível ganhar dinheiro na era digital
Enquanto empresas como o Grupo Abril, Esporte Interativo e Editora Três monopolizaram o noticiário com demissões e corte de títulos, o New York Times anunciou que o jornal deve chegar aos 4 milhões de assinantes. Hoje, são 3,8 milhões de assinantes e 2,8 milhões deles vêm da versão digital.
Erros e acertos
Não é de hoje que o NYT olha com muita atenção para o seu conteúdo digital. O jornal, nos longínquos anos 2000, foi um dos primeiros a tentar fechar seu conteúdo para o público não pagante.
A iniciativa foi um tremendo fracasso e fez com que a publicação voltasse atrás e demorasse muitos anos para retomar a ideia.
Hoje, a estratégia para atrair assinantes é bastante agressiva e parece estar funcionando. Você mesmo já deve ter recebido um e-mail, tweet ou visto um anúncio no Facebook oferecendo uma semana de assinatura digital do New York Times por apenas US$ 1.
O resultado? A receita total da empresa no trimestre teve uma alta de 2% — o que não é pouco — chegando aos US$ 415 milhões e com um lucro de US$ 24 milhões. Números para dar inveja a qualquer empresa tupiniquim.
O Brasil e os geniais gurus digitais
No mesmo início dos anos 2000 as empresas brasileiras também começaram a ter a noção de que o meio digital seria importante para compensar eventuais (e inevitáveis) perdas de receitas do meio impresso.
Infelizmente, ao invés de apostar nos profissionais que já trabalhavam no jornalismo online e deixá-los montar equipes com pessoas que realmente pudessem pensar em meios de seduzir anunciantes e conseguir receitas sustentáveis, preferiram acreditar em gurus digitais.
Gurus digitais são aquelas pessoas que sabem se vender como tendo ideias geniais, muitas vezes tiradas de livros estrangeiros escritos por outros gurus digitais.
Depois, essas pessoas ficam cagando regras sobre assuntos que não dominam (como já vi acontecer com a Internet 2.0).
Há casos de gênios da lâmpada que foram contratados para descobrir uma maneira de cobrar pelo conteúdo de determinado veículo e que ficaram cinco anos tentando encontrar uma solução que só foi implementada — copiada de outros lugares — mais de um ano após a sua saída da empresa que o contratou por um ótimo salário. São pessoas inteligentes, admito.
Analógico x Digital
Pode parecer ilógico, mas um veículo predominantemente analógico pode ser também muito bem-sucedido nas suas versões digitais. Esse é o grande enigma para os administradores brasileiros.
O NYT é um desses casos, valorizando produtos que agregam valor a sua marca. Nem é preciso ser algo inovador (podcasts, por exemplo), precisa apenas ser bem feito e bem trabalhado pelo seu departamento comercial, normalmente povoado por mentes defasadas e preguiçosas.
Novatos x Experientes
Nunca antes na história desse país a expressão “jovem não é sinônimo de novidade” foi tão verdadeira.
As redações, diretorias e departamentos comerciais são ambientes totalmente distintos e que demandam perfis diferentes.
Enquanto nos departamentos comerciais os jovens deveriam tomar o lugar de muitos profissionais mais veteranos e que preferem a comodidade das práticas tradicionais, no resto do processo a coisa não é nada assim.
Nas redações e, principalmente, nas diretorias e no planejamento, o que deveria importar é a visão moderna e a experiência para detectar a realidade do veículo e não repetir erros cometidos por concorrentes.
Jovens são importantes, mas estão longe de serem a solução para a maioria dos problemas que entravam o crescimento das receitas e o bom uso da marca e dos produtos produzidos. Redes sociais não são terreno compreendido apenas por quem tem menos de 30 anos.
É preciso ter coragem para deixar de lado modelos antigos e saber o que realmente é novo.
Posições claras e fake news
Outra falácia repetida e incentivada no jornalismo brasileiro é a de que os veículos de comunicação precisam ser isentos. O New York Times, assim como seus pares norte-americanos, tem posições claras sobre uma série de questões importantes, incluindo política, aborto e dão apoio aberto a determinadas correntes de pensamento.
Esses posicionamentos, ao contrário do que pensam nossos executivos, não afastam leitores ou anunciantes.
O que acaba acontecendo é que as pessoas sabem com clareza o que estão lendo e, principalmente, confiam na credibilidade das informações e nem tanto nas conclusões tiradas delas. Confiam tanto, que pagam por elas.
Em tempos de fake news e fake governantes/postulantes é muito importante saber que as informações são bem apuradas.
Esse pequeno detalhe faz com que anunciantes que não concordam com as tendências do veículo de comunicação saibam que é lá que podem ganhar um público novo.
Realidade brasileira
No Brasil, desde o início dos tempos da internet discada, há uma cultura do grátis. Essa cultura fez com que empresas gigantes como a AOL afundassem retumbantemente por aqui.
Essa mesma linha de pensamento foi estimulada pelas empresas produtoras de conteúdo, que agora sofrem para conseguir mudar essa lógica, sobreviver e lucrar.
Como o Estado Brasileiro e os governos (estaduais e municipais) são alguns dos principais players do mercado publicitário nacional, muitos dirigentes de veículos de comunicação ficam com receito de se pronunciarem apoiando fulano, beltrano ou algum partido político e perderem verbas (já escassas).
A preocupação é legítima, mas parece vir acompanhada de uma falta de visão e coragem, necessárias para sobreviver nesses novos tempos.
Ideologias são sempre boas — mesmo quando você não concorda com elas — e nem sempre é preciso compartilhá-las para trabalhar com elas, coisa que os jovens nem sempre conseguem enxergar.
Também há o desafio para manter a qualidade em todas as plataformas nas quais o veículo de comunicação fincar a sua marca, o que nem sempre os mais velhos conseguem realizar.
Que o exemplo do NYT seja desfraldado por todo território brasileiro.