“Se alguém não pensa igual a mim é um idiota, retrógrado e não vale nada”
Não é de hoje que as pessoas reclamam do clima de Fla-Flu e da intolerância que parece ter tomado a sociedade brasileira de assalto. Não importa se o assunto é política, segurança, futebol, direitos individuais ou qualquer outro ponto que possa suscitar uma discussão.
Parece que perdemos a faculdade de ouvir opiniões contrárias, bem ou mal argumentadas, e que podem mostrar um novo ponto de vista e mudar nossas posições. Da mesma forma parece que a hipocrisia está sendo ignorada na maioria das manifestações. São pessoas que usam e compram drogas, mas fazem discursos indignados contra a crescente violência nas grandes cidades. São pessoas que defendem certas correntes políticas mesmo quando seus líderes cometem crimes, lembrando que outros fizeram o mesmo. São pessoas que bradam a importância em acolher pessoas, mas que reclamam quando essas pessoas são levadas para o seu estado/cidade. São pessoas que reclamam da violência policial, mas chegam a cancelar eventos por falta de segurança.
Porém, o que mais me choca é a autoridade com a qual muita gente faz juízos de valor sobre problemas de outros países. Se a coisa já é complicada quando tratamos de problemas domésticos, imagine falar de questões de outros povos. Por exemplo, acho que a saída do Reino Unido da União Europeia é uma burrice, mas entendo perfeitamente as razões que levaram os britânicos a essa decisão, assim como entendo porque gregos e italianos fazem ações para dificultar a entrada de imigrantes em seu território, e porque catalães lutam por sua independência. Claro que sempre há coisas que não conseguimos entender (Trump é uma delas), mas mesmo nesses casos não há como ter uma resposta definitiva, mesmo vivendo no país ou estudando relações internacionais.
Cada um no seu quadrado
A razão para não podermos cravar que a nossa opinião é a correta é simples (repito): nós não vivemos lá e, mesmo quando vivemos, não temos as mesmas referências (culturais, de relacionamento, etc.) dos nativos. Afinal, o que pode explicar que as pessoas gostem de grapefruit, gravy ou carne de rato? O que faz com que haja gente que goste de rap ou polca? O que faz com que alguns povos não gostem de abraços? Com certeza esses povos também devem achar vários de nossos hábitos muito estranhos.
Recentemente, li vários artigos condenando leis e costumes que nos parecem retrógrados. Você sabia que na Nigéria o marido pode bater na esposa para “corrigi-la”? Não sou expert em cultura ou no estudo da sociedade nigeriana – e não acredito que conheça alguém que seja -, mas imagino que essa prática deva fazer algum sentido para eles, já que essa lei não é nada recente e não há nenhum movimento para revogá-la. Você sabia que no Iêmen a lei obriga as mulheres a satisfazer seus maridos na cama, queiram elas ou não? Pode ser um absurdo para os brasileiros “esclarecidos”, mas pode ser lógico para o povo do Iêmen. Simples assim.
Portanto, seja você de direita ou de esquerda, eleitor do Bolsonaro ou do Lula, apreciador de rock ou funkeiro, bebedor de cachaça ou de vinho, flamenguista ou vascaíno, já passou da hora de xingar e desdenhar de quem pensa diferente de você. Pode ser que você descubra que os argumentos do seu adversário são melhores e mais bem fundamentados que os seus.