Grupo carioca reúne bambas como Martinho da Vila e Lecy Brandão e mostra que a saída de João Cavalcanti não diminuiu o apetite musical da banda
Já faz tempo que os meninos do Casuarina – Daniel Montes (violão de sete cordas e vocais), Gabriel Azevedo (voz e percussão), João Fernando (bandolim, violão e vocais) e Rafael Freire (cavaquinho, banjo e vocais) – não são mais meninos. O grupo, criado em 2001, chega ao 8° álbum (+100) sem a participação de João Cavalcanti, que até então era o principal vocalista e compositor do grupo. Mas se muitos ficaram preocupados com o efeito da saída do filho de Lenine na sonoridade do agora quarteto, podem se despreocupar: +100 é um dos melhores (se não o melhor) disco do grupo.
O samba chegou diferente
E agora é para ficar
Vem que a batucada tá quente
E a gente é de firmarÉ bom pra curar a dor
Tem ginga que vem de lá
Trago no pandeiro a fé de um orixá
– A saída do João já era uma coisa esperada e, claro, teve um impacto sobre o grupo, mas tem sido uma mudança positiva. Isso nos tirou da zona de conforto e estão todos mais participativos. São 16 anos juntos e a saída reforçou a nossa condição de grupo, culminando com o lançamento do +100 – conta Gabriel Azevedo, principal vocalista do Casuarina.
Convidados de luxo
Cria da Lapa, no Rio de Janeiro, o Casuarina se consolidou depois de dois ótimos álbuns lançados pelo selo Biscoito Fino – Casuarina (2005) e Certidão (2007) -, o mesmo por onde gravaram +100, e parece que a volta a velha casa fez bem aos rapazes. Deixando de fora o lado autoral, o grupo peneirou um repertório extremamente inspirado e ainda recheou o álbum com algumas participações mais que especiais, como Lecy Brandão (Herança de Partideiro) e Martinho da Vila (Tempo Bom na Maré), além de Geraldo Azevedo (Embira) e Criolo (Quero Mais Um Samba).
– Tivemos essas quatro participações, mas Tempo Bom na Maré, com o Martinho, ficou exatamente da maneira que imaginamos. Além disso, ele é um cara que dignifica o samba e dá essa chancela de qualidade ao disco. Foi um sonho concretizado – confessa Gabriel.
Meu amor quando sorri é o tempo bom na Maré
Rede na beira do mar, fruta madura no pé
Água doce no riacho, lua cheia no céu
Camarão frito no tacho, sereno beijando o chapéu
Samba no pé da fogueira, mel de engenho no licor
É a vitória do sonho, vida vivida sem dorFôlego renovado
Com um título que remete aos 100 anos do samba (completados em 2017), o novo trabalho mostra que, se o presente da Lapa anda incerto, com os problemas econômicos do país e a insegurança e violência que assolam o Rio de Janeiro, o futuro do samba oriundo da região está mais que garantido. Com arranjos que unem simplicidade e sofisticação, e um trabalho vocal de primeira, +100 renova o fôlego do grupo.
Sambões, ritmos africanos e até forró estão na mistura que faz do novo trabalho casuarinense um prazer de ouvir. As 12 canções levam o ouvinte – seja ele amante do ritmo que for – por uma estrada pela qual não há como não trafegar com alegria.
– A gente vinha fazendo um show em homenagem ao centenário do samba e pensamos em gravar o disco novo baseado no repertório do show, mas achamos melhor apontar para frente e interpretar só com sambas inéditos. Isso reaproximou a gente da galera do samba, da qual nos afastamos um pouco nos dois últimos discos – No Passo de Caymmi (2014), um projeto totalmente conceitual e 7 (2016), um álbum autoral – explica Azevedo.
Força para a Lapa
Um dos principais polos de criação de novos talentos do samba, a Lapa, conforme já citado nesse texto, padece com os problemas do Rio de Janeiro (cidade e estado)
– A Lapa está sofrendo muito com o que está acontecendo com a cidade. Fizemos uma temporada lá em dezembro e janeiro e a coisa não está muito boa por lá. Tem muita casa fechando por conta da violência e da insegurança. Precisamos dar uma força para não deixar essa bela história morrer – diz o músico.
Até rapper vira sambista
Em um lançamento marcado pela sonoridade da percussão, com um repertório de novos sambas de primeira, o nome de Criolo pode até parecer um tanto deslocado, mas o rapper fecha o disco dividindo a faixa Quero Mais um Samba, mostrando que também caminha bem pela passarela do samba.
No fim das contas, +100 reforça a importância do Casuarina na cena do samba e da música brasileira. O disco também mostra que ainda há muita gente produzindo música boa e que a mistura do novo com nomes tradicionais é uma fórmula que vai sempre valorizar os trabalhos bem elaborados.
Nota: **** ½
Fotos: Leo Aversa e Diogo Montes
Uma versão desse texto foi publicada na Revista Ambrosia