É estranho escrever sobre um artista considerado brega e dizer que seus discos, apesar de bem produzidos, possuem características musicais desconcertantes. Comparando a produção de Odair José com os sertanejos e pagodeiros atuais, diria que ele se sai bem, principalmente se levarmos em conta o status cult que os artistas bregas ganharam.
A série Tons (da Universal Music) reedita quatro álbuns gravados pelo artista entre 1972 e 1975 – Assim Sou Eu…, Odair José, Lembranças e Odair. Apesar do (hoje) selo de brega, Odair chegou a vender 700 mil cópias de um só LP e, com isso, ganhou a liberdade de fugir do esteriótipo de cantor de jovem guarda, para ser aquilo que gostaria: um cantor pop. Mais surpreendente ainda é saber que ele se inspirava em nomes como Paul McCartney, George Harrison e Crosby, Stills and Nash, para compor algumas das suas canções.
Odair tinha um estilo realmente próprio que, goste ou não do resultado, era eficiente para o publico da época. Sucessos lembrados até hoje como Essa Noite Você Vai Ter Quer Ser Minha e Uma Vida Só (pare de tomar a pílula) são exemplos da sua popularidade.
Você diz que me adora
Que tudo nessa vida sou eu
Então eu quero ver você
Esperando um filho meu
Então eu quero ver você
Esperando um filho meuPare de tomar a pílula
Porque ela não deixa o nosso filho nascer
Os múltiplos cornos
A construção da poesia de Odair consistia em escrever uma história e depois fazer com que a melodia aceitasse os versos. Muitas vezes esse encaixe não acontecia, criando músicas que simplesmente careciam de melodia. Porém, o mais impressionante é a temática da traição, que parecia ser uma fixação do artista. Praticamente todas as canções falam de abandono, da possibilidade de perdoar uma traição da companheira ou da esperança de que a mulher voltasse, depois da sua pequena aventura. Nunca vi tantas músicas para corno reunidas em um conjunto de discos feitos por um mesmo artista.
Penso em você o dia inteiro
Sentindo solidão
Eu fico no portão
Esperando o carteiro
Mande nem que seja um telegrama
Dizendo que me ama
E que um dia vai voltar
Basta escrever uma palavra
Fazendo uma promessa
Pra que eu possa lhe esperar
Há também diferenças sociais – romance com uma empregada doméstica e um amor com alguém de uma classe social mais alta -, mas o que nunca deixa de existir é o sofrimento e uma eterna luta para fugir da censura dos anos 70.
Deixe essa vergonha de lado!
Pois nada disso tem valor
Por você ser uma simples empregada
não vai modificar o meu amor
Acompanhamento de primeira
Um outro ponto de destaque nos discos de Odair José são os músicos que o acompanhavam. Núcleos de grupos como o Azymuth, além de Golden Boys e Trio Esperança, e de nomes como Hyldon, eram facilmente encontrados nas fichas técnicas de seus LPs, mas mesmo com tantas feras e arranjos enxutos, vez por outra ainda é possível ouvir uma nota estranhamente fora de lugar em uma ou outra canção, mas fica claro o investimento feito nos trabalhos de Odair, ainda um grande vendedor de discos.
John Lennon e Band On The Run?
Mas o que realmente me surpreendeu foram as influências musicais de Odair José. Neil Diamond era citado ao lado de Paul McCartney e George Harrison. No primeiro disco da caixa (Assim Sou Eu…), Odair emplaca uma canção chamada Eu Queria Ser John Lennon – na qual o sobrenome do ex-beatle é pronunciado mais como “lennu“. No disco Odair (1975) há duas canções inspiradas em Paul McCartney: Volte Pra Mim e Dê um Chega na Tristeza, que seguia a mesma fórmula da canção Band On The Run, de Paul, reunindo três melodias distintas para formar uma só obra.
Eu queria ser John Lennon um minuto só
Pra ficar no toca-discos e você me ouvir
Eu queria ser aquele espelho do teu quarto
Nele você sempre olha antes de dormirEu queria ser a chuva que molhou seu rosto
Pra saber o gosto que você sentiu
Quando um pingo frio do seu corpo caiu
Algumas dessas inspirações podem parecer fazer sentido apenas em um sistema solar diferente do nosso, mas é gratificante saber que a intenção (e gosto musical) era das melhores.
A série Tons marcou um golaço ao resgatar esses discos, há muito confinados aos velhos vinis. Essa é mais uma faceta da nossa música, imprescindível para entender o país que éramos e que somos hoje.
Ouça algumas canções de Odair José no playlist do F(r)ases da Vida, que fica no menu lateral direito.