Clara Nunes (1942 – 1983), uma das cantoras mais cultuadas da MPB, é uma figura presente na vida de milhões de brasileiras, com sua figura e canções cheias de religiosidade. Mas, para uma parcela mais jovem da população, sua obra nem sempre é tão familiar. Relembrar essa história é uma das missões da baiana Mariene de Castro, que está lançando o CD e DVD Ser de Luz — Uma homenagem a Clara Nunes, onde interpreta canções que foram imortalizadas na voz de Clara.
“Foi um desafio muito grande. Clara cantou muito a minha terra, cantou muito o Nordeste e merecia essa homenagem”, explica.
Gravado no dia 9 de outubro de 2012, no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o espetáculo é um desfile das canções mais conhecidas da sambista mineira, que faleceu vítima de um choque anafilático.
“Não me preocupei em escolher canções menos conhecidas, os lados B. Minha intenção era mostrar como o repertório dela é bom e como não há maneira de deixar que essas músicas se percam no esquecimento ou com a pouca execução nas rádios”, conta Mariene.
Entre os 16 números registrados no CD e no DVD destacam-se as ótimas interpretações de Morena de Angola, Coisa da Antiga (com a participação de Zeca Pagodinho), Coração Leviano e O Mar Serenou.
E se as imagens mostram uma Mariene totalmente incorporada na figura de Clara Nunes, a bênção para o projeto pode ser conferida na luxuosa participação de Tia Surica, Neide Sant’Anna e Áurea Maria, três baluartes e figuras icônicas da escola de samba Portela e que participam do coro de várias canções do show. Além delas, há também nomes como o de Zeca Pagodinho (Coisa da Antiga) e Diogo Nogueira (Juízo Final).
“Fui muito bem recebida no Rio. Beth (Carvalho) é uma referência e o Zeca (Pagodinho) virou meu compadre. A gravação desse trabalho no Espaço Tom Jobim foi uma coisa de sonho”, admite a cantora.
Mas, apesar das ótimas interpretações e do figurino que a deixa muito parecida com Clara, Mariene não parece preocupada em ficar marcada pela força do repertório de um trabalho como esse. A cantora não disfarça a confiança na identidade que já criou com o público.
“O Brasil já me conhece desde 2005, quando lancei o CD Abre Caminho e ganhei o Prêmio Tim (hoje Prêmio da Música Brasileira) de Melhor Disco Regional. Minha música já é conhecida e esse projeto foi pensado mesmo para homenagear uma das maiores cantoras que o País já conheceu. Consigo me ver cantando várias dessas músicas daqui a dez, 15 anos, mas sempre mantendo a minha identidade”, diz Mariene.
O CD e DVD tem conteúdos idênticos, mas o DVD ainda conta com trechos do show Tabaroinha (baseado no CD lançado em 2012) e que contém a música que dá nome ao novo trabalho (Ser de Luz), trazendo mais da música de Mariene, além de permitir apreciar o capricho dos figurinos e o bom gosto da cenografia montada para o espetáculo.
Lançado pela dobradinha Canal Brasil/Universal Music, Ser de Luz — Uma homenagem a Clara Nunes também mostra que o conjunto formado pela direção de Darcy Bürger (vídeo) e Alceu Maia (áudio), os figurinos de Wilson Ranieri e a banda afiadíssima – onde se destacam os ótimos percussionistas e o acordeon de Cicinho Assis – é daqueles raros encontros onde a sintonia acontece com perfeição, sem excessos.
Além disso, não há espaço para que pensem que a baiana sucumbe diante da força e da luz de Clara Nunes ou que o repertório, baseado em sucessos, seja um sinal de preguiça. Mariene de Castro consegue colocar uma luz própria em músicas que estão na trilha sonora de quase todos os brasileiros com mais de 40 anos, com arranjos que valorizam a percussão e o sabor brasileiramente baiano de Mariene.
“A ideia é cair na estrada e levar esse espetáculo para todo o Brasil. Levar a memória de Clara para iluminar todos os cantos do país. Esse é um projeto muito importante para mim e quero muito que as pessoas tenham acesso a ele”, admite.
Ser de Luz
Uma homenagem a Clara Nunes é um trabalho baseado na emoção. Emoção da intérprete em relembrar a obra de Clara Nunes, com um claro e saboroso toque pessoal, emoção do público em reviver as lembranças contidas em cada compasso, cada verso entoado nos pouco mais de 70 minutos do DVD, gravado de maneira simples e eficiente. Emoção de saber que nossa memória musical ainda é importante mesmo para artistas de uma geração que tenha vivido um momento particular da história.
Esse texto também foi publicado no jornal O Fluminense