Entrevistar um membro de um dos mais conhecidos grupos de rock do Brasil é uma tarefa sempre complicada. Por sorte, o novo lançamento de Dado Villa-Lobos (ex-guitarrista da Legião Urbana) – precisava mesmo explicar isso? – é um trabalho dos mais agradáveis de se ouvir.
Depois de um pequeno desencontro nos horários para o bate-papo, a entrevista acabou gerando boas declarações sobre o momento atual do artista.
Confira o texto, que também foi publicado no jornal O Fluminense
Em O Passo do Colapso parece que você está mais solto, caminhando por muitos estilos e absorvendo as influências. Foi proposital ou isso reflete o seu momento artístico?
Dado – Esse é o caminho que venho seguindo nos últimos anos. Quando comecei a fazer o disco, com o Kassin (produtor), dois anos atrás, decidimos ter uma banda sempre presente no estúdio para manter um clima orgânico. Fiquei feliz com o resultado e acho que retrata exatamente o que eu passo hoje. A minha relação com a música pop passa por esse espelho, por essa lente.
Qual é a importância do Kassin no projeto?
Dado – Foi enorme. Um dia a gente se cruzou e ele disse: “Cara, vamos gravar”. Isso, sem ficar pensando como vai ser lançado ou ficar questionando o momento da música. Aí, ele estava no meu estúdio produzindo o disco da Wanessa da Matta, era a época da Copa de 2010 e ela foi chamada para um show na África do Sul. Aproveitamos que o estúdio estava todo montado e demos início às gravações. Depois, escolhemos os músicos (Barba, na bateria), o Bonfá, etc. Achei a ideia ótima, já que adoro ter bastante gente envolvida no projeto. Tive a colaboração dos músicos e artistas que participaram do disco, que fizeram tudo de uma forma muito natural e tranquila. Eu sempre fui um artista independente, mesmo quando estava junto a uma multinacional, como a EMI. Eu tinha a minha gravadora, a Rockit, que é por onde está sendo lançado O Passo do Colapso, e isso serviu como uma maneira de me manter um pouco mais livre.
Você está lançando o disco primeiro na internet e só depois no formato físico. Por que isso?
Dado – O disco passou uma semana como o single mais vendido do iTunes, acho que com mais de 10 mil downloads e vários comentários positivos. Agora o disco está na iTunes Store, o que eu vejo como uma luz no fim do túnel para os artistas e consumidores. Você poder voltar a comprar música de uma forma mais ágil e mais fácil. Eu sou um usuário de música digital. Já baixei pelo meu celular o disco novo da Cat Power e do Bob Dylan, por exemplo. Nesse formato, você vai lá e baixa, sem ter que precisar ficar pagando a uma companhia. Você paga diretamente ao artista, o que também não inviabiliza a versão física, o CD (que sai em março). Eu aposto no formato digital como um modelo que permita que o artista seja remunerado de uma forma condizente. Imaginei que a indústria estivesse abarrotada de trabalho com os discos do Roberto Carlos e dos grandes medalhões e achei que valia a pena esperar a virada do ano pra colocar o CD no mercado.
E como você vê a indústria da música nos dias de hoje?
Dado – Eu vejo que a grande indústria hoje, das grandes companhias distribuidoras, realmente está em colapso, na medida em que elas não são tão ágeis quanto deveriam ser e não se articulam bem nesse novo meio que é a web. Elas não são mais produtoras de conteúdo, apenas distribuidoras.
O Passo do Colapso, além de falar sobre vários temas, tem muitas participações. Como foi escolher quem iria gravar o que?
Isso deu muito trabalho, mas foi gratificante. No caso de Beleza Americana, a canção já existia há mais de 10 anos e agora resolvi fazer o registro em estúdio. Pegamos o Fausto Fawcett, até mesmo pela temática cinematográfica da música, algo meio Paris-Texas. Pensando nisso, chamamos também o Arto Lindsay para fazer uma versão em inglês de um verso e cantar com aquele sotaque nova-iorquino dele, além de colocar voz da Paula Toller, sempre linda. Tudo isso veio por intuição e para buscar elementos que enriquecessem a ideia da canção. O mesmo aconteceu com a Mallu Magalhães, que canta em Quando a casa cai, uma canção que fala da separação de um casal. Ficou ótimo.
Você pretende ir para a estrada?
Dado – Sim! A gente está começando a planejar isso. Eu vou tirar férias até 25 de janeiro e retomamos os ensaios em fevereiro, para começar os shows em março, já que o ano só começa mesmo depois do Carnaval. Já temos datas agendadas no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Essa turnê deve, inclusive, coincidir com o lançamento do CD.
Algum plano para um DVD?
Dado – Ainda não. O que estamos fazendo é criando conteúdo para as redes sociais. Eu gravei a gente ensaiando as novas músicas e vamos fazer a mixagem e edição e jogar no YouTube, Facebook, Twitter, etc.
O Herbert Vianna está com um disco novo, o Kid Abelha voltou e vários outros artistas da geração dos anos 80 estão lançando coisas novas. Como você vê o trabalho deles hoje?
Dado – Eu acho fabuloso isso. Ouvi o disco do Herbert (Victoria) e é sensacional! São músicas dele que ele nunca tinha gravado e o formato meio violão e guitarra deu uma intensidade e trouxe um bom gosto ao projeto que é de emocionar. Uma pena que as grandes gravadoras não invistam mais nesse tipo de trabalho. É preciso um Chico Neves (produtor do disco de Herbert Vianna) para fazer isso. Para mim é um deleite poder ouvir o que eu ouvi do Herbert. Os artistas da minha geração não estão mortos. São pessoas ainda com muita coisa para dizer.
Com o novo álbum, turnê, etc, como ficam os projetos da Legião Urbana?
Dado – Os projetos da Legião, pelo menos da minha parte, estão suspensos indefinidamente. Não tem muito mais o que ser feito. A gente tentou fazer uma espécie de celebração nesse ano, que culminou com o evento do Wagner Moura na MTV. Agora, meu foco é trabalhar O Passo do Colapso.
O Passo do Colapso – A Crítica
O Passo do Colapso é um álbum cheio de vida, de influências e de participações especiais. O ex-guitarrista da Legião Urbana se une ao mago da produção da vez – Kassin – para apresentar uma coleção de canções que falam sobre amores, separações e paternidade, sempre com lucidez e personalidade.
A lista de convidados, que tem nomes como Arto Lindsay, Marcelo Bonfá, Fausto Fawcet, Paula Toller, João Barone, Bi Ribeiro, Mallu Magalhães e Toni Platão, entre muitos outros, não ofusca o fato de que esse é um disco com o DNA de Dado Villa-Lobos. Em nenhum momento as participações se sobrepõem ao autor.
As 12 canções do disco – lançado primeiro em versão digital e que terá seu debut em CD somente em março de 2013 – passeiam por vários climas e traduzem o ecletismo do seu criador, capaz de escolher discos de artistas tão díspares como Novos Baianos e Radiohead para ouvir em uma ilha deserta. Apesar disso, Dado nunca perde de vista o rock embora não veja muitas semelhanças com o trabalho da sua ex-banda.
Colapso, Beleza Americana e Overdose Coração se destacam no (bom) repertório pinçado pelo artista para o disco, que merece ser ouvido com calma e sem expectativas de que fosse recriado o som da Legião.
Fotos: Christian Gaul