Reproduzo aqui a matéria publicada no O Globo sobre essa grande figura do esporte nacional. Uma voz que fará falta e será lembrada sempre.
Locutor de turfe faleceu aos 77 anos no Rio após parada cardiorrespiratória
Principal nome do turfe nacional, Ernani Pires Ferreira morreu na madrugada de hoje, aos 77 anos, vítima de parada cardiorrespiratória. Ele estava internado há dois dias no Hospital Espanhol, no centro do Rio. Hoje, antes do terceiro páreo, o Jockey vai fazer um minuto de silêncio em homenagem ao ex-locutor.
Ernani dedicou toda a vida à locução de turfe e teve uma trajetória marcada por grandes alegrias. Sua contribuição ao esporte é incalculável. Pernambucano, nascido em 1 de novembro de 1934, ele veio muito menino para o Rio de Janeiro. Ainda de calças curtas, começou a frequentar o hipódromo, levado por seu pai. Foi paixão imediata e, ainda, menino, decidiu que aquele seria seu mundo. A família não admitia a possibilidade de que ele se tornasse jóquei, mas a magia do turfe o contaminara e ali ele passaria a maior parte vida.
Casou-se três vezes e teve cinco filhos. Era um homem realizado e, paralelamente com a profissão de locutor, foi empresário e trabalhou por 18 anos na diretoria do Senac.
Ernani começou oficialmente, como locutor, na Rádio Jornal do Brasil, na equipe de José Euvaldo Peixoto e o primeiro GP Brasil que transmitiu foi o de 1967, quando venceu o cavalo brasileiro Duraque, do Haras Gabriel Homsy, conduzido por Antônio Ricardo, pai do fantástico Ricardinho.
— Foi uma emoção especial. O GP Brasil é o desafio maior para um locutor — afirmou na época.
No início dos anos 70, eram comuns os páreos de amadores na Gávea e Ernani decidiu que deles participaria. Exercitou cavalos, seguiu orientação de jóqueis e treinadores. E como tudo que o fez, obteve sucesso. Ao longo de poucos anos, conseguiu vencer 14 provas da categoria. Tinha tamanho e peso de jóquei e suas performances são lembradas até hoje pelos mais antigos.
— Transmitir corridas e assitir de longe é uma coisa, mas participar de um páreo, dá um calafrio na espinha. Cruzar o disco na frente, então, nem se fala — costumava dizer.
Como locutor, o brilhantismo de Ernani é reconhecido até hoje. Além da Gávea, transmitiu páreos em Correas, Campos, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Fora do país, irradiou carreiras no Uruguai, na Argentina, na França e na Inglaterra. Durante dez anos, participou do programa Globo Esporte, na Rede Globo, aos sábados, marcando barbadas, sempre de modo irreverente. As crianças, que não entendiam de turfe, divertiam-se com suas aparições engraçadíssimas:
— A criançada me reconhecia nas ruas, era maravilhoso.
Outro feito incrível de Ernani aconteceu no dia 17 de julho de 1983, quando entrou para o Guiness Book, o Livro dos Recordes, ao conseguir a incrível marca de 351,6 palavras por minuto.
— Nem eu mesmo acreditei quando veio o resultado — revelava, orgulhoso.
Respeitado e admirado por todos ligados ao turfe brasileiro, Ernani Pires Ferreira transmitiu mais 71 mil páreos em sua carreira vitoriosa. Segundo ele mesmo dizia, foram momentos emocionantes. Alguns erros ocorreram pelo percurso, mas a difícil arte de narrar corridas pode mesmo ser complicada em alguns momentos. Ernani viu correr grandes cavalos e assistiu direções fantásticas de jóqueis de altíssimo nível. Foi amigo particular de Luis Rigoni, o maior jóquei de tempos os tempos, em sua opinião. Criou bordões que ficaram marcados até hoje na mente dos turfistas.
Depois de narrar o GP Brasil por 41 anos consecutivos, o pernambucano tinha guardado, na mente, algumas chegadas fantásticas, como a de Rigoni com o cavalo argentino Terminal. Na semana da corrida, ele caminhou pela pista de grama com o amigo e, em um determinado momento, Rigoni lhe disse que, naquele exato local, trocaria o chicote de mão:
— E ele assim o fez na corrida. Fiquei tão espantado que deixei o lance passar.
Em 2008, o “baixinho”, como era carinhosamente conhecido, decidiu dar oportunidade, a Luiz Urubatan Carlos, também da equipe de locutores do Jockey, e que com ele trabalhou por mais de 20 anos. Generoso e consagrado, Ernani abriu caminho para os amigos. A inconfundível vibração do craque, no momento do “Atenção, foi dada a partida” continua a cada disputa da maior prova do turfe brasileiro.
Fonte: O Globo