Em seu novo trabalho, Lenine aposta na intimidade e nos sons do cotidiano
Mais orgânico, simples, direto e sem overdubs, Chão tem toques de disco conceitual, daqueles que se deve ouvir do início ao fim sem interrupções ou a aleatoriedade
“Estávamos gravando Amor é Pra Quem Ama e na hora de ouvir como ficou a gravação notamos que tinha havido o vazamento do canto do passarinho. Na hora que ouvimos descobrimos que o canto estava no tom da música e que o canário procurava o tom e mudava o gorjeio na hora certa da mudança de andamento da canção. Ficamos impactados com isso e decidimos pegar o microfone e gravar o canto do pássaro. A partir daí veio a idéia de colocar sons do cotidiano no disco. Tudo culpa do canário belga”, é assim que um bem-humorado Lenine explica como surgiu o conceito de seu novo trabalho: Chão (Casa 9/ Universal), que acaba de ser lançado.
Assim como a espontaneidade do canto do passarinho, Lenine leva suas composições para estradas que nem sempre seguem o caminho mais óbvio. Repleto de sons do cotidiano, Chão, décimo álbum da carreira do artista, segue um rumo diferente dos trabalhos anteriores do compositor, que não lançava um CD de inéditas desde Labiata (2009). Mais orgânico, simples, direto e sem overdubs (trechos incluídos após a gravação original), Chão tem toques de disco conceitual, daqueles que se deve ouvir do início ao fim sem interrupções ou a aleatoriedade implícita nos Ipods da vida moderna.
Nas canções espalhadas pelo disco são encontrados sons de passos (Chão), o batimento de um coração (Se Não For Amor, Eu Cegue), uma máquina de lavar centrifugando (Seres Estranhos), motosserra (Envergo Mas Não Quebro), uma chaleira (Uma Cação e Só), e até mesmo uma ancestral máquina de escrever (De Onde Vem a Canção).
Enxuto, Chão é composto de apenas dez músicas, todas elas com duração menor do que 4 minutos. Um formato que pode parecer pop, mas que foge do padrão convencional verso/refão/verso.
“Eu já estava com desejo de fazer um disco novo e já tinha esse estímulo de trilhar um novo caminho sonoro. Portanto, eu já sabia o que eu não queria fazer. Sabia que não queria bateria, o que foi um elemento fundamental no processo de criação. Com isso, eu teria que encontrar soluções para suprir uma possível carência rítmica que um projeto como esse poderia ter. Depois, eu achei o nome, isso mesmo antes de ter as músicas: Chão. Sou apaixonado por esse monossílabo nasal. Chão já tem a onomatopéia do andar e a língua brasileira deu uma conotação diferente a esses sons nasais. Em lugar nenhum do mundo você vai ouvir alguém dizer “ão” do jeito que a gente fala. Então, a primeira paixão foi vernacular, foi pela palavra”, conta Lenine.
Íntimo, bucólico e belo
O disco, composto de canções especialmente escritas para ele, destaca o violão de Lenine, com sons psicodélicos e ao mesmo tempo bucólicos. Morador da Urca, o recifense-carioca precisou andar apenas alguns poucos metros para chegar até o restaurante onde cumpriu a maratona de entrevistas com jornalistas de todo o país para divulgar o novo projeto, de maneira tão relaxada como as próprias composições apresentadas no álbum.
“Eu tinha muitas músicas guardadas, mas queria ter esse frescor, essa sincronicidade com a minha cabeça hoje. Daí foram surgindo as músicas. No fim, Chão foi feito para ouvir de uma tacada só. As canções são interligadas, como uma suíte. As músicas são complementares. Não escrevi um livro de contos, escrevi um romance”, diz o músico.
Intimidade poderia ser o segundo conceito de Chão. Ela já começa com a foto escolhida para a capa do CD, onde Lenine embala o sono do neto. Um cotidiano íntimo e que não se preocupa com as idas e vindas do mercado, que foge das modas e tendências.
“Como sempre fui meio artesão, sempre fiz minha trajetória sem levar em conta esses aspectos. Talvez por isso eu tenha essa autonomia. Faço o que faço porque quero e porque quero, eu faço”, sentencia. Nada mal para quem já foi chamado de Príncipe do Pop Brasileiro pelo jornal The New York Times.
O resultado do novo trabalho não é homogêneo. Chão tem canções com diferentes níveis de inspiração, mas que funcionam muito bem no conjunto. As letras falam basicamente de amor, com alguns toques pessoais como em Envergo Mas Não Quebro, onde o compositor se expõe de maneira um pouco mais aberta.
A simplicidade instrumental das canções favorecem sua transposição para o palco, mas também exigirão das plateias uma maior atenção aos detalhes, as nuances de cada nota, de cada efeito sonoro.
Os destaques do CD
De Onde Vem a Canção
O metrônomo (aparelho usado para marcar os compassos de uma canção) e a máquina de escrever permeiam uma melodia com clima de J.J. Cale e uma letra que indaga sobre o como e o porquê da criação.
Amor é Pra Quem Ama
O violão de Lenine, acompanhado de guitarras, um cavaco e do canário Frederico VI criam uma balada romântica daquelas que conquistam corações livres (ou não).
“Desde que eu me encanto/Sigo a voz do vento/Já faz tanto tempo/Canto, intento/A cantoria que me levaria a qualquer lugar”. Outra canção cheia de clima, hipnótica, com seu som de chaleira que segue a melodia de maneira compacta.
A arte não deixará de existir
Lenine não é daqueles que lamentam que a venda de CDs esteja caindo e nem acompanha aqueles que culpam a internet e os downloads pela queda da renda conseguida com a produção musical.
“A gente viu o vídeo laser, o MD, o VHS e tanta coisas desaparecerem. O que acontece é que a forma de pulverizar, de espalhar a música vai mudar, mas a arte não se repete. Provavelmente você vai acabar agregando ao valor do ingresso o preço de um CD ou coisa assim, mas a arte não deixará de existir”.
Show será Quadrifônico
Para lançar Chão, Lenine prepara um show diferente, com inovações tecnológicas, canções do novo CD e algumas pérolas de seu repertório que estavam “dando um tempo em banho maria, para não encher o saco”, como Jack Soul Brasileiro, Paciência e Hoje Eu Quero Sair Só.
“Estamos no processo de formatar o espetáculo. Esse CD já nasceu pronto para o palco, o difícil agora é transpor as canções antigas para esse novo formato, sem bateria. O show vai ser quadrifônico e todos esses elementos sonoros vão dar ao projeto uma sonoridade especial. Por exemplo, a última música do disco é a que vai abrir os shows (Isso é Só o Começo), o que dará um outro significado ao que digo no disco”.
Mas além das novas composições e das canções “resgatadas”, Lenine também promete incluir alguns de seus sucessos.
“Há canções que a gente não escolhe, são aquelas que o público já elegeu como suas favoritas e que não há como não cantar”.
Enquanto o show de estréia não vem, Lenine continua com a sua agenda de show e espera que Chão já não seja totalmente estranho as plateias que forem à nova turnê.
“Claro que por conta da complexidade do quadrofônico, só poderemos levar esse show para locais fechados, onde se possa apreciar o resultado com cuidado. Estamos ensaiando e a nova turnê só deve começar no fim desse ano ou início de 2012”.
Fotos: Marcio Oliveira
Chão é o um disco genial! E mais uma vez Lenine se mostra um artista genial. Do Labiata eu não gostei tanto, mas esse com certeza merece ser ouvido muitas vezes! Lenine deveria ser influência para todos os músicos da nova geração! O texto ficou ótimo!
Grande abraço!
http://www.zuzazapata.com.br