Um dos mais importantes compositores da Música Popular Brasileira completa 50 anos de estrada e 70 de idade com a energia de um garoto. Com a agenda de shows lotada no Brasil e no exterior, o Tremendão Erasmo Carlos continua uma brasa. Depois de um tempo longe dos holofotes, Erasmo lançou dois discos – Rock ‘n’ Roll (2009) e Sexo (2011) muito elogiados por crítica e público e agora chega com o CD e DVD 50 Anos de Estrada, com o registro do espetáculo histórico que fez no Theatro Municipal do Rio para comemorar sua trajetória musical iniciada com a Jovem Guarda.
Assumidamente viciado em rock‘n’roll, o Gigante Gentil bateu um papo exclusivo com sobre sua carreira, seus planos e a emoção de levar o rock para um dos templos sagrados da cultura nacional.
“Eu não sei o conceito que as pessoas têm hoje do Theatro Municipal, mas quando eu comecei, em 1960, o Municipal era uma coisa muito grande. Era um templo das artes nobres. Para mim que era um sonhador, um aventureiro da Tijuca que estava começando a aprender violão e cantar, era um sonho impossível de ser realizado. Então, pisar naquele palco foi uma coroação dos meus 50 anos de estrada. Uma vitória minha, da minha música, do meu valor. Ainda mais contando com a participação do Roberto, que foi um cara sempre presente nessa minha caminhada e da minha musa Marisa Monte, que é uma inspiração para qualquer compositor”, diz com orgulho o autor de Parei na Contramão.
Durante todo esse tempo Erasmo Carlos passeou pelo rock, soul, bossa e temas românticos sempre com sucesso, mas não esconde a sua verdadeira paixão.
“Eu havia esquecido um pouco que eu comecei cantando rock’n’roll e abandonei essa minha especialidade, fazendo outras coisas. O compositor brasileiro sofre muitas influências. É muito ritmo acontecendo por todo o país e acabei deixando um pouco as guitarras de lado, mas agora eu voltei e resolvi que é isso que eu sei fazer. Foi assim que eu apareci e decidi pegar o lugar que é meu e que ninguém tira”, conta Erasmo, que se apresenta no Bar do Meio, em Piratininga, no dia 7 de julho .
Metade da dupla de compositores mais conhecida do Brasil, Erasmo explica a razão de não ter colocado nenhuma parceria sua com Roberto Carlos nos dois últimos discos.
“Geralmente eu faço música com o Roberto quando surge uma oportunidade. Ele tem andando muito ocupado com a carreira internacional dele e ai não estava disponível nas horas que eu precisei. Calhou de na hora de compor ele estar em excursão e ficou difícil da gente se encontrar. Ai, eu apelei para outros amigos e parceiros, que são muito mais rápidos. A gente faz por e-mail. Hoje em dia a gente manda e-mails e mp3s pro Arnaldo Antunes e ele me responde. Então é mais rápido”, explica.
Mesmo com a criação de uma gravadora – a Coqueiro Verde – que lhe permite ter mais controle sobre a sua obra, e com todo o prestígio de ser um monstro sagrado da nossa música, Erasmo Carlos, reforça o coro da maioria dos artistas contra o pouco espaço destinado a sua música no rádio.
“É difícil emplacar um sucesso hoje. Como a gente não paga jabá, a gente não toca. Independência é isso: sair no mundo sem abrir concessões. Antigamente tudo era feito por debaixo dos panos e agora há departamentos nas rádios para receber jabá. O jeito é contar com a internet e com a imprensa escrita”, lamenta Erasmo.
Mas nem mesmo as dificuldades do mercado atual tiram a disposição do Tremendão, que fica bravo e fala grosso quando perguntam sobre a possibilidade de uma aposentadoria.
“Não, bicho! Que isso? Antigamente eu tinha que batalhar o leite das crianças. Hoje, batalho o Danoninho dos netos!”, fala para depois soltar uma gargalhada.
Um dos momentos que mais marcaram a presença de Erasmo em um palco foi a vaia recebida na primeira edição do Rock in Rio, quando foi escalado para tocar na noite do heavy metal. Em 2011, Erasmo voltou ao festival e, ao lado de Arnaldo Antunes, protagonizou um dos melhores espetáculos do evento.
“Tinha uma mágoa pelo que aconteceu em 1985, mas lavei a alma naquele dia com o Arnaldo. Foi outro daqueles dias felizes da minha vida. Da primeira vez não houve culpados porque tudo aconteceu por ignorância de todo mundo. A produção não teve culpa, os artistas também não tiveram, porque ninguém sabia que existiam tribos. Quando o rock’n’roll surgiu era uma coisa só. Todo mundo gostava de rock. Com o tempo é que começaram a vir as tribos de heavy e etc”, lembra.
Humilde, ele diz não ter mais sonhos em termos de carreira.
“Meus sonho hoje em dia é conseguir manter minha estrada com a dignidade e honestidade que eu sempre mantive. As coisas boas vão me acontecendo. Eu tenho é que fazer o meu trabalho e chamar a atenção sobre ele para ser lembrado sempre. Um mês antes do show do Municipal, por exemplo, ninguém sabia que seria lá. Era o último show da turnê Rock’nRoll e iríamos fazer algo especial e por acaso surgiu o Municipal. Em seguida surgiu o Rock in Rio e depois o Rock in Rio Lisboa – onde toca no dia3 de junho. Mas não peço mais nada. Só agradeço o que vem pra mim”, finaliza.
50 Anos de Estrada – A Crítica
Gravado na última apresentação da turnê do disco Rock’n’Roll, o CD/DVD 50 Anos de Estrada é um resumo da trilha sonora musical de muitos brasileiros. Acompanhado por uma banda formada pelo maestro José Lourenço (teclados), Billy Brandão (guitarra e violão), Dadi Carvalho (guitarra) e o trio Filhos da Judith – Luiz Lopes (violões e guitarras), Pedro Dias (baixo) e Alan Fontenele (bateria) -, além de uma orquestra, Erasmo mostra algumas de suas melhores composições, passando pela Jovem Guarda, pelo rock, por temas ecológicos, românticos e até um medley onde lembra canções que foram eternizadas na voz de Roberto Carlos, mas que têm o DNA do Tremendão.
Roberto, aliás, é protagonista de um dos momentos mais memoráveis do DVD, quando trava uma conversa com o amigo sobre roupas. Difícil imaginar um momento tão descontraído sendo exibido em algum especial do Rei, que de quebra ainda canta Parei na Contramão – primeira parceria da dupla – e É Preciso Saber Viver, em dueto com Erasmo. Só isso já valeria o dinheiro investido, mas o melhor é mesmo a música do nosso roqueiro mor.
Com uma mixagem que privilegia o baixo de Pedro Dias em relação as guitarras, o setlist traz sucessos como Mulher, Mesmo Que Seja Eu, Quero Que Vá Tudo Pro Inferno e Sentado à Beira do Caminho. Na verdade, o show é praticamente um Best of de Erasmo.
“Como eu tenho muitos sucessos e eu já sei quais são as canções mais pedidas. Claro que uma ou outra pessoa quer ouvir uma música diferente, mas a massa quer ouvir Sentado à Beira do Caminho. Quando vou numa cidade que nunca visitei é isso que querem ouvir. Eles não querem música nova, querem aquelas que já conhecem. A crítica já gosta do material novo. Então, como sempre está saindo coisa nova, você tem que dosar muito bem o antigo e o novo. Eu também penso em músicas que eu não toco faz muito tempo e tenho vontade de tocar. Talvez no próximo show eu toque coisas como Dois Animais na Selva Suja, que é uma música do Taiguara, que eu gosto muito. Outra é É Preciso dar um Jeito Meu Amigo, que é minha e do Roberto. Tem horas que eu me lembro de alguma que eu podia cantar, como A Carta, que depois que eu gravei com o Renato Russo virou cult e eu nunca cantei ao vivo”, explica sobre a maneira que escolhe o repertório.
O CD é mais direto, sem diálogos, focado na música, enquanto o DVD dá ao espectador/ouvinte uma experiência mais abrangente, permitindo ver o carinho com o qual Erasmo trata e é tratado por todos e imagens curiosas, como Roberto Carlos conversando com seu sósia, que participa da canção Cover, uma das melhores do show. Outro grande destaque é a canção Panorama Ecológico, que ganhou o peso necessário com a adição das cordas da Orquestra do Theatro Municipal.
Seja em CD, DVD ou nos dois formatos, 50 Anos de Estrada é para ser ouvido por, pelo menos, mais 50 anos.
Algumas perguntas para definir o roqueiro Erasmo
Beatles, Rolling Stones ou The Who?
“Beatles,é claro!”
Lennon ou McCartney?
“Essa é dura. Eu não sei direito como era a parceria, quem escreveu o que. Não é porque no livro tal diz que foi o Paul McCartney quem escreveu tal coisa, que isso é verdade. Não acredito em livros. Só os parceiros sabem como é a parceria. Com Roberto e Erasmo é a mesma coisa. Nem eu sei direito o que eu fiz e muitas vezes o Roberto também não lembra! Portanto, fico com os dois”.
O que o Erasmo Carlos ouve hoje em dia?
“Eu ouço de tudo o que aparece na internet, na TV ou no rádio. Algumas vezes eu ouço e falo: “Boa Música”, mas logo em seguida já estou ouvindo outra coisa. É muito grupo, muita música, muita informação, muitas cantoras. Isso acaba confundindo a cabeça da gente. Não dá para seguir e conhecer todo mundo. Já desisti disso faz muito tempo. Quando eu quero mesmo ouvir música, eu ouço meus discos antigos de rock básico, bossa nova, etc”.
Você só compõe quando tem um disco para fazer?
“Agora to na estrada e não tenho tempo para fazer música, mas vou anotando sempre algumas coisas, vou gravando algo. Anoto sempre alguma frase, alguma notícia que leio nos jornais. Eu estou sempre colhendo dados e quando eu tiver que compor eu reúno essas coisas todas”.
E quando você compõe, ainda pensa em fazer uma canção melhor que a anterior ou a algum grande sucesso?
“Isso tem. Eu não quero fazer uma música ruim. Quero pelo menos fazer uma música boa”.
Você joga muita coisa fora?
“Jogo. Tem coisas que a gente acaba enjoando ou passa do tempo. Eu evito fazer músicas datadas, falando de alguma coisa de “agora” porque daqui a pouco ninguém liga mais. É natural escrever alguma coisa hoje e daqui a 15 dias não gostar mais”.