A pisada de bola do Extra no caso Alex Muralha

Este é outro assunto velho, mas, agora, que o ano acabou e o Brasileirão também, posso escrever sem que o ódio que reina no Brasil apareça por aqui (espero). O caso é a capa do jornal Extra, publicada no dia 1 de setembro de 2017, onde havia um comunicado onde o jornal avisava que não chamaria mais o goleiro Muralha pelo apelido.

Todo mundo tem o direito de errar e os (então) responsáveis pelo jornal erraram feio ao atiçar ainda mais os ânimos nada amistosos da torcida contra o atleta. Mas, o pior mesmo, foi ver que os responsáveis não admitiram o erro e disseram que o que fizeram foi uma piada e que piadas não devem ser explicadas. Bem, se uma piada precisa ser explicada é porque, no mínimo, ela não foi boa. A jogada pode até ter tido alguma lógica se a ideia era vender jornais ou gerar polêmica, mas eu ainda acredito que os jornais precisam informar, mesmo que com uma certa dose de humor, o que está longe de ser o caso.

Já que se fala muito nas mudanças que o jornalismo precisa fazer para sobreviver, tinha que escrever algo sobre esse episódio lamentável. Para deixar o meu pensamento ainda mais claro, reproduzo o editorial do Comunique-se sobre esse caso (publicado em 4 de setembro de 2017).

 

Todo mundo ganhou (menos o bom jornalismo)

No mundo do jornalismo e do futebol brasileiro, o último fim de semana foi marcado pela ação do diário Extra, do Grupo Globo, em noticiar que deixará de se referir ao goleiro do Flamengo pelo apelido de Muralha. A decisão tomada pelo popular veículo de comunicação foi alvo de críticas de internautas e jornalistas (até de profissionais de dentro da Globo). Muitos avaliaram que, na edição veiculada na sexta-feira, 1º de setembro, o impresso cometeu uma “bola fora” ao colocar a “informação” sobre Alex Muralha na primeira página e com teor semelhante a de pautas relacionadas a criminosos que tomam conta do Rio de Janeiro, estado que o mesmo título definiu estar em guerra, com direito a criação de editoria especial.

Para qualquer pessoa com um pouco de bom senso, seja ela profissional da comunicação ou não, fica nítido que o jornal errou no tom  ao se referir ao arqueiro flamenguista. Convenhamos, ao transformar as falhas do atleta em sua manchete principal e garantir que, por ora, o apelido “Muralha” não aparecerá em suas páginas, o diário carioca dá margem para se tornar alvo de críticas vazias semelhantes. Com o episódio, do qual por duas vezes os responsáveis pela publicação fizeram questão de colocar como uma simples “brincadeira” e pedir (de forma bem tímida) desculpas, o goleiro Alex Muralha, a diretoria do Flamengo, torcedores e quaisquer outras pessoas têm todo o direito de virem a público e dizer que não consideram como jornalismo o produto entregue pelo Extra.

Caímos no assunto jornalismo. Afinal, conforme o título deste editorial do Portal Comunique-se, o bom jornalismo foi o único elemento envolvido na história que perdeu. Pode parecer irônico, mas até o Extra, protagonista da “brincadeira” desnecessária, chega a esta semana com saldo positivo. Certamente, a edição que colocou o jogador de futebol como se fosse um foragido da polícia vendeu mais exemplares do que edições anteriores. No Facebook, graças ao conjunto de algoritmos que parece cada vez mais valorizar polêmicas em vez de conteúdos relevantes, a marca não tem do que reclamar.

A foto com a imagem da primeira página de sexta tem até o fim da tarde desta segunda-feira, 4 mil reações, 943 compartilhamentos e 1,5 comentários (a maioria criticando a postura adotada, mas o Facebook não se importa com isso). Sem polêmica ou piada idiota, a postagem com os destaques do dia anterior tem números bem menores: 133 reações, 32 compartilhamentos e 10 comentários.

Alex Muralha (seguiremos respeitando o nome “artístico” adotado pelo profissional) sai dessa história contando com o apoio de torcedores do Flamengo, que chegaram a pedir que ele fosse barrado para a final da Copa do Brasil. Possivelmente, o fato de ter sido acolhido pelo grupo de jogadores do Mengo fará com que o atleta tenha mais segurança no confronto que vale título. Uma coisa, porém, é fato, até a equipe do Portal Comunique-se, que não acompanha tão de perto as disputas futebolísticas, sabe que o goleiro estava em má fase técnica. Algo que deixou de ser notícia por causa da ação do Extra.

Cronistas esportivos pararam de falar do desempenho do arqueiro para demonstrar apoio ao ser humano. Aliás, a imprensa desportiva – principalmente a online – também ganhou, pois conquistou cliques com o desdobramento: reprodução da nota oficial de Muralha e o posicionamento por parte da diretoria do Flamengo. Os dirigentes do clube são outros vitoriosos do contexto; afinal, venderam para a mídia os valores éticos que regem a atual administração.

Entre vendagem em banca acima do normal, crescimento do alcance e engajamento no Facebook, um goleiro que vê sua má fase desaparecer do noticiário esportivo, sites atrás de mais cliques e cartolas que adoram um espaço na mídia, é simples constatar que o anúncio do Extra só fez um elemento ser derrotado (e de goleada): o bom jornalismo. Até porque, segundo a própria publicação, piadas sem graça merecem mais espaço numa primeira página.

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