Erasmo Carlos em três tempos

Erasmo - caixa 3CDs_frente - em altaO início dos anos 70 era um momento de transição para a música brasileira, que se despedia da jovem guarda e flertava com a Tropicália, sempre com uma bossa nova ou outra pelo caminho. Foi exatamente nesta época que o Tremendão Erasmo Carlos resolveu dar uma guinada em sua carreira e apostar mais no soul e nos sambas, que nos rocks. Esse é o tom de Carlos, Erasmo (1971), um dos três discos relançados na série Três Tons (Universal Music). Os outros dois títulos incluídos na caixa são Sonhos e Memórias 1941-1972 (1972) e o fantástico Banda dos Contentes (1976).

Mas se Carlos, Erasmo é uma espécie de aviso de que o cantor/compositor era muito mais do que um ícone da jovem guarda, Sonhos e Memórias volta ao campo mais tradicional do rock, com pitadas de Tropicália e MPB. E, mesmo não produzindo nenhum grande sucesso radiofônico, se coloca entre os melhores discos do Tremendão.

Carlos Erasmo - em altaPorém, o grande tesouro da caixa Três Tons, e que não merecia estar fora de catálogo, é mesmo Banda dos Contentes. Nele, escorado pelo sucesso Filho Único – composta por Roberto e Erasmo Carlos, e carro chefe da trilha sonora da novela Locomotivas – Erasmo abre o leque que o levaria a uma série de sucessos.

O Gigante Gentil convoca amigos como Gilberto Gil e Belchior, que o presenteiam com composições até então inéditas ou semi inéditas e que ganham versões definitivas. Paralelas (ainda sem todos os elementos e versos da versão gravada pelo próprio Belchior um ano depois) soa brilhante e cheia de emoção, com um arranjo que de longe supera as gravações feitas por outros artistas e, de Gil, ganhou a canção Queremos Saber, que anos depois foi gravada por Cássia Eller.

A Banda Dos Contentes - em altaOs questionamentos aparecem em várias canções do disco, sempre com temas que até hoje são relevantes, mostrando que Erasmo (e Roberto) estavam mesmo muitas vezes a frente de seu tempo. O encarte do disco, que mostra vários Erasmos linchando um outro Erasmo é assustadoramente atual, como os versos de algumas canções como Baby (Roberto e Erasmo):

Deixe os seus protestos e os manifestos pra outra periferia
Não fui eu quem fez as leis que não lhe dão maior autonomia.

Mas o melhor do disco está mesmo na sua diversidade. O ótimo country em ritmo de westerm spaghetti Billy Dinamite – que conta a história de amor pela índia Pão de Mel e na época ganhou um clipe com a participação do então grande atacante Roberto Dinamite, do Vasco, time de coração de Erasmo, se contrasta com a própria melancolia soul da faixa-título.

Banda internaEstá tão difícil ajeitar as coisas
E, cada vez mais, agradar a todos
Quanto mais se faz, mais fica-se devendo
E pra se viver, mais vai se fazendo….

…Com todo o direito
Reclama o meu peito
Achando que a mente
Não tem mais condição
Está faltando a força duvidosa
Da minha razão

Um disco essencial para todos.

Uma versão deste texto foi publicada no jornal O Fluminense

One Reply to “Erasmo Carlos em três tempos”

  1. Faltou dizer que essa arte do encarte do Banda dos Contentes é do mestre Benício. Que luxo.

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