Ritchie chega aos 60 em versão totalmente 60’s

Cantor faz balanço da vida em álbum com repertório composto apenas com canções sessentistas em inglês. Veja como concorrer a um CD autogradado pelo artista.

Ritchie, o inglês que vive há 40 anos no Brasil e que será lembrado eternamente pelo mega sucesso Menina Veneno, que ajudou a vender 1,2 milhão de cópias do seu primeiro LP (Vôo de Coração) no hoje longínquo 1983, chegou aos 60 anos e, como se quisesse fazer um balanço da vida, gravou Ritchie 60, um disco apenas com canções dos anos 60, que fizeram a cabeça dos ingleses e que, por um motivo ou outro, nunca conseguiram repetir o sucesso desse lado do Equador. São músicas de nomes como Lovin’ Spoonful, Donovan, Everly Brothers e Gerry and the Pacemakers.

Era uma bela e ensolarada tarde de segunda-feira quando Ritchie recebeu a equipe de O Fluminense em sua cobertura no Humaitá para um bate papo descontraído sobre o processo de produção do novo trabalho, a vida e os planos para o futuro.

– Não sou totalmente brasileiro, nem totalmente inglês. Sou um híbrido, um ET que caminha pelo meio dessas duas trilhas e que teve muita sorte na vida de cair em um lugar maravilhoso como esse e fazer um sucesso enorme em um país estrangeiro.

O que o levou a decidir gravar esse tipo de repertório?

Foi uma necessidade de fazer um balanço.  Também tive uma vontade enorme de cantar em inglês depois de 40 anos, até porque minha voz não vai ser maravilhosa por muitos mais anos. Eu acho que estou com uma voz boa e gostei do timbre, que caiu para um grave que eu nunca utilizei e esse repertório está me permitindo utilizar essa região da minha voz. A despreocupação em catar sem ter que pensar em acertar a pronúncia foi muito bom. Isso sempre me prejudicou muito na hora de cantar em português.

Eu amo cantar em português, mas é muito difícil. Acho que fui muito longe com os poucos recursos que tenho. Adoro o português, que é uma língua muito sonora.

Como foi o processo de escolha das 15 canções que terminaram fazendo parte do disco?

A seleção das 15 faixas desse disco foi feita a partir de uma lista de 154 músicas. A gente começou com Beatles, Stones, Animals e muitos outros grupos que eu adoro, mas decidimos por não usar esses medalhões. Isso não quer não quer dizer que eu não goste de Beatles. Eu amo Beatles, mas a questão é que ‘qual música dos Beatles você vai colocar em um disco de 15 faixas?’. Isso reduziu em dois terços o número de canções que tínhamos para escolher. Eu não queria ‘chover no molhado’. No meu caso, seria até uma ofensa, porque é muito fácil eu cantar em inglês. Não é como um artista brasileiro fazendo um grande projeto de cantar em inglês. 

Mas como chegou ao repertório final?

Um dos critérios foi: se os músicos da minha banda – todos jovens em relação a mim – não conheciam as canções ou achavam que talvez pudessem já ter ouvido em algum lugar, essa entrava na lista. Eu queria o olhar fresco deles. Só os deixei ouvir as gravações originais uma vez. Depois, mostrei os acordes e fomos para o estúdio trabalhar como impressionistas. Com isso, criamos arranjos novos, mas não totalmente distantes dos originais, que me marcaram quando era jovem.

Eu me lembro como eu fiquei impactado quando ouvi pela primeira vez essas canções e foi o mesmo com eles.

O disco abre com Summer in the City, uma composição que tem pouco a ver com a Inglaterra, não?

Summer in the city é isso, é o Rio de Janeiro, Eu queria, com esse disco tentar traduzir o meu passado para o meu presente. E essa música sempre me fascinou, com seu caos urbano, seus sons de engarrafamento, britadeiras, o calor, que é uma coisa de São Francisco e do Brasil, mas nunca da Inglaterra.

Eu detesto aquele clima frio, que, para mim, é sinônimo de muito sofrimento no colégio, noites frias com as janelas abertas no inverno. Tomar banho frio às 6 da manhã. Uma tortura. Fiz isso dos 7 aos 19 anos e quando eu sai de lá eu disse: vou morar em um país quente, não quero nem saber.

Na verdade, acho que a esse meu disco tem uma ordem matadora, que é pra ser ouvida em sequência. Hoje, a gente não ouve mais álbuns, usa-se muito o shuffle e isso é uma outra forma de ouvir música. Caso você tire as canções desse disco da ordem ele não funciona. Eu já tentei isso.

Falando em shuffle, isso é uma outra forma de ouvir música. A gente não ouve mais álbuns. E esse meu disco tem uma ordem matadora, que é pra ser ouvida em sequência. Se tirar da ordem não funciona. Eu já tentei.

Você gravou canções de grupos ingleses, artistas americanos e até mesmo o tema de um filme de James Bond (You Only Live Twice). Essa mistura foi proposital, para não ficar apenas no universo britânico?

As músicas americanas foram grandes portais para mim. Eu as ouvia no colégio interno – o que era super proibido – através da Rádio Luxemburgo e das outras verdadeiras rádios piratas. Nós ouvíamos os artistas ingleses que vaziam versões dos sucessos americanos. A América para mim era uma terra desconhecida. Só conhecia dos westerns, mas tinha certeza de que havia aqueles espaços abertos enormes. Essa visão cinematográfica inundou meu imaginário. Essa coisa da América, das estradas me fascinava. Mas fiquei surpreso de ter selecionado tantas músicas americanas.

Sobre a canção que foi tema de James Bond, esse filme é um dos meus prediletos do 007. Além disso, You Only Live Twice é a história da minha vida. Eu tive duas vidas completamente diferentes e nesse disco elas estão se encontrando pela primeira vez. É um reencontro de águas que foram partidas 40 anos atrás quando deixei a Inglaterra. A inclusão desta canção aumenta a minha sensação de que é um disco pessoal, quase autoral na escolha das músicas. Eu me vejo como uma espécie de curador, porque essas músicas não chegaram ao Brasil com a força que apareceram na Inglaterra.

Algum tempo atrás você criou a sua própria gravadora. Foi você quem bancou todos os custos de produção do disco?

Sim. Eu criei a minha gravadora e não estou nem um pouco arrependido. Foi a melhor coisa que eu poderia fazer nesse momento, porque as gravadoras estão numa fase de crise e a gente não sabe para onde a coisa vai.

E onde gravou e mixou tudo?

Na produção independente, a pré-produção é o mais importante. A gente tem que ser muito seletivo, ainda mais gravando com orquestra. Nós tínhamos dois dias para gravar nove faixas com uma orquestra de cordas porque o orçamento era limitado. Ao mesmo tempo, fiz questão de trabalhar nos melhores estúdios da cidade, como o Toca do Bandido. Não só pela aura do Tom Capone – produtor entre outros de Maria Rita, Raimundos, Legião Urbana e Marisa Monte, e que faleceu em 2004 – que ainda paira por lá, como pela coleção de instrumentos vintage que ele deixou. A gente usou e abusou daquele equipamento como ninguém.

Eu não fiz isso para me exibir, mas fiz para me encontrar. Por isso Abbey Road tinha que entrar no projeto de alguma maneira. É uma coisa tão forte no imaginário dos anos 60 que quando o Christian Wright -que entre outros trabalhos tem no currículo a trilha do último Harry Potter -, que fez a masterização desse disco, me ligou no Skype e disse: “Estou pensando em fazer esse trabalho no mesmo console que os Beatles usaram para gravar o disco Abbey Road”, foi maravilhoso. Essa conexão foi muito bacana. Achei que iria ser tratado como mais um artista e acabei descobrindo que cinco dessas músicas foram gravadas lá. E, no fim das contas, Abbey Road nem foi tão mais caro.

Usaram a mesma tecnologia dos anos 60?

A gente trabalhou esse disco pensando nisso. Em respeitar o espírito da época, mantendo tudo analógico até o final do processo, ajudando a manter o ‘calor’ da gravação. Gravar com cordas era um sonho, mas eu imaginei que fosse ser tão emocionante. O som mexe com a gente.

O que você ouve hoje em dia?

Ouço coisas antigas e adoro descobrir coisas novas. Dos antigos, eu sou fã de carteirinha da Joni Mitchell e Peter Gabriel. Eu ouço tudo o que eles fazem, mesmo que não venha a não gostar de determinadas coisas, porque eu sei que eventualmente eu vou passar a gostar. Esse ano, por causa do disco novo, passei muito tempo ouvindo anos 60. Pesquisando, relembrando e redescobrindo. Foi um ano de grandes emoções.

Eu sei que se você procurar com cuidado acaba descobrindo coisas absolutamente brilhantes e que não vão chegar às paradas, como The Clintons, The Pavements e outras bandas inacreditáveis que estão no total anonimato e que são mesmo ótimas. E, no Brasil, Cabeza de Panda, que é a melhor banda de rock do país. A banda Violins, de Goiânia, também é espetacular.

Alguma surpresa em especial entre as novidades que ouviu?

Sim. Como é lindo esse novo disco do Paul McCartney. Estou apaixonado.  Não tenho dúvidas de que o Paul ainda tem os seus dias e manda ver quando quiser e que ainda pode cantar Helter Skelter como ninguém. Agora, por outro lado, ele revelou um lado da sua voz eu não conhecia tanto: a delicadeza, a fragilidade e vulnerabilidade, que era uma coisa desconhecida pra mim. E vê-lo com uma orquestra em um estúdio me encantou, me deixando ainda mais seguro de que tinha feito uma boa escolha. De que as pessoas estão dando essa olhada para trás.

Voltando ao seu disco, particularmente, qual das canções te deixou mais satisfeito com o resultado final?

Acho que a última faixa, (How Can We) Hang On to a Dream. Sinto que ela resume o recado que quero dar com esse disco: como a gente pode se agarrar as coisas.

Música é uma arte danada de boa. Primeiro é uma língua universal, depois, está sempre mudando. O músico toda noite pode subir no palco e refazer a sua arte. Ela é permanente, apesar de volátil. Agradeço todos os dias por ter sido músico. Sem isso, acho que a minha vida não faria muito sentido e desconfio que a vida de muita gente que não é músico também. A música tem um papel fundamental na nossa vida, é uma das forças agregadoras mais poderosas do universo.

Você pretende sair para a estrada de maneira ‘pesada’ com esse disco?

‘Pesado’ é uma palavra complicada. Isso significa um enorme investimento. Estou preferindo agora deixar o disco falar por si. Não tenho necessidade de dar resultado em três meses. Não tenho aquela obrigação do retorno rápido, eu sou dono do meu nariz, mas, com certeza, vou para a estrada com esse disco.

Se tivesse que escolher, quais discos levaria para uma ilha deserta e ouviria pelo resto da vida?

Revolver – Beatles (1966)
Steve McQueen / Two Wheels Good – Prefab Sprout (1985)
Axis Bold Love – Jimmy Hendrix (1974) – “Porque acho que é o disco mais açucarado e eu gosto de açúcar em pequenas doses”
Pretzel Logic – Steely Dan (1974)
Court and Spark – Joni Mitchell (1974)
Animals – Qualquer um –
Painted from Memory  – Elvis Costello and Burt Bacharach (1997)
White Bread Black Beer–  Scritti Politti (2006)
Lost in Space – Aimee Mann (2002)


Ritchie 60 – A crítica

Richard David Court, nascido em Beckenham, no condado de Kent, no Sul da Inglaterra, e no Brasil conhecido como Ritchie, aproveitou o seu 60º aniversário para fazer um balanço das memórias musicais neste Ritchie 60.

As composições, escolhidas com muito bom gosto, passam por compositores de talento como Jimmy Webb, Burt Bacharach e John Sebastian, além de intérpretes como, Glen Campbell (Wichita Lineman), Gerry and the Peacemakers (Don’t Let the Sun Catch You Crying) e Frankie Valli (The Sun Ain’t Gonna Shine (Anymore)).

As três primeiras faixas do disco – Summer In The City, I’ve Been A Bad, Bad Boy e Don’t Let The Sun Catch You Crying – estão entre as melhores do álbum e servem, pelo menos no Brasil, como uma espécie de trilha dos Lados B de sucesso dos anos 60.

Ritchie está com a voz em forma e os arranjos das canções valorizam as canções, principalmente as baladas, que ainda ganharam um reforço de belas cordas. O efeito é especialmente eficaz em números como Wichita Lineman e Don’t Let The Sun Catch You Crying.

E, se algumas interpretações parecem carecer de um pouco de energia, caso deYou’re No Good e o blues Need Your Love So Bad, faixas como (How Can We) Hang On To A Dream e You Only Live Twice deixam a certeza de que a Ritchie soube respeitar e ao mesmo tempo homenagear a música dos anos 60, um período realmente especial na história, onde era difícil encontrar alguém fazendo música ruim.

Até mesmo as canções que tecnicamente não fazem parte da década de 60 – All I Have To Do Is Dream, dos Everly Brothers foi gravada em 1958 – têm em comum um charme e inocência que encontraram uma via segura nas mãos e voz de Ritchie e banda, que souberam trabalhar no velho e seguro formato de canções pop de 3 minutos.

No fim das contas, Ritchie 60 é um disco para ouvir de uma tacada só e para nunca mais ser retirado do CD Player ou iPod.

As canções:

1.Summer In The City
2.I’ve Been A Bad, Bad Boy
3.Don’t Let The Sun Catch You Crying
4.All I Have To Do Is Dream
5.Green Tambourine
6.Wichita Lineman
7.The Sun Ain’t Gonna Shine Anymore
8.If You Could Read My Mind
9.You’re No Good
10.Trains, Boats and Planes
11.Sunshine Superman
12.You Only Live Twice
13.Concrete and Clay
14.Need Your Love So Bad
15.(How Can We) Hang On To A Dream

Sorteio de CDs autografados pelo Ritchie

Quer ganhar um CD autografado pelo Ritchie? Curta a nossa página no Facebook e envie um e-mail para leitor@ofluminense.com.br, com nome e endereço completos, respondendo a pergunta: Qual é a canção do disco Ritchie 60 que já foi gravada por Sérgio Mendes?

Os leitores que responderem corretamente concorrerão a um sorteio para ganhar um CD autografado. O resultado será divulgado no dia 13 de abril.

Boa sorte!

Uma verão editada deste texto foi publicado na versão impressa do jornal O Fluminense.

Fotos: Glaucio Ayala e Thiago Louza

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