Dez mandamentos e 5 mitos do futebol

Esse texto é mais um daqueles que merecem ser replicados e lidos pelo maior número de pessoas possíveis. Uma oa companhia para o Manual da Copa do Mundo para Mulheres.

Mandamentos

I) Futebol não é religião. É mais do que isso. Há quem diga que futebol é só um jogo. Isso equivale a afirmar que literatura é um monte de palavras jogadas. Para começar, os fanáticos por futebol têm seus cerimoniais sagrados de quarta e domingo. E, claro, a troca de galhofas com os torcedores de outros times. Não se esqueçam do dízimo que todo boleiro deve doar à sua instituição sagrada através de ingressos caros em troca de serviços porcos, camisas cheias de patrocínio, chapéus ridículos, merchandising tosco, etc. A fé é o item número zero para o torcedor ? sem ela não há futebol. É preciso acreditar, piamente, até o último segundo de jogo, que seu time vai reverter um 0 a 5. E o que faz o futebol transcender religiões é que uma torcida agrega sem preconceitos todos os tipos de crenças, classes sociais, gêneros, bandidos e neuróticos. Por aí você começa a ter uma noção da importância da coisa.

II) Xingamento é a prece do futebol. Alguns ignorantes no assunto acham um absurdo o uso à vontade de palavras de baixo calão durante os jogos. Mas elas nunca são gratuitas. Fazem parte de um ritual importante e dedicado que envolve gritos de guerra, urros, cuspes, coçadas no saco e no nariz, a conexão com a natureza ao se urinar em árvores e outros comportamentos que geram uma vibração única para a celebração do ludopédio. Além disso, o que se faz no estádio, fica no estádio.

III) Chore. Esses mesmos “alguns” se perguntam: “como pode alguém chorar por futebol?”. Em primeiro lugar, são poucos que realmente choram só por futebol. Em geral, há outros fatores externos para que isso aconteça e uma derrota no futebol simboliza o fracasso, a decepção maior. Mas se você é idiota o suficiente de achar uma bobagem chorar por futebol é porque não entende nada do riscado. Afinal, choramos, de alegria ou de tristeza, nos momentos mais marcantes de nossas vidas. Como em diversos jogos de futebol, por exemplo.

IV) Estude o tema. Leia livros, revistas, sites e blogs; memorize gols, datas, escalações e fatos marcantes. Sempre esteja pronto para descrever jogadas ou resgatar um causo de 1954. E nunca, mas nunca, mesmo, se esqueça de fazer diversas análises de variações táticas de times e seleções numa rodinha daquela festa chata. É uma boa oportunidade de afastar os babacas e ficar com os realmente inteligentes.

V) Horário de jogo é sagrado. E o embate deve ser assistido só, sem perturbações. A única exceção é se sua mulher/namorada aparecer pelada. Nesse caso, e apenas e tão somente nesse caso, vá para cima, ganhe de goleada e aceite com raça e 110% de comprometimento tanto a prorrogação quanto os pênaltis. Afinal, os canais a cabo sempre reprisam os jogos. Mas para o bem da humanidade e pela satisfação dos deuses da bola, entre num acordo com sua estimada senhora: jogos decisivos são realmente sagrados, sem apelação. Se ela não concordar, desfile na frente da TV, no final da novela que ela adora, vestindo apenas com uma sunga de seu time do coração e um lenço no pescoço. Ela vai entender o recado. Por outro lado, não perca jogos por causa de eventos sociais. Nunca vale a pena. Até a Drew Barrymore numa comédia romântica imbecil se deu conta disso.

VI) Futebol é para ogros. E não sinta vergonha disso. Ou você vai entrar na onda daquele cara que acha produtos Apple obras de arte e o Steve Jobs lindo? Ou se intimidar pelo olhar de nojinho daquele “amigo” da namorada que declama poemas de autores “malditos”? Do cara que ri da tua cara quando você fala que é fanático por futebol, mas não perde o BBB? Esqueça os inteleco-tecos, os hipócritas, os metrosexuais, os enrustidos e os “modernos” em geral. No fundo somos todos ogros. Animais, afinal. Assuma isso sem problemas. Mas sem classe, hein, p****.

VII) Tenha mais camisas de times do que roupas “normais”. Normais para os outros. Para os fanáticos o normal é camisa de time. Em qualquer ocasião. Mas é sempre importante ter trajes diferentes para cada momento. Não vá num jantar de aniversário de casamento dos sogros com aquela camisa surrada de 1990 com patrocínio da Kalunga. Uma edição especial comemorativa é a melhor opção. E, por favor, em época de Copa do Mundo não entre no oba-oba: não use trajes da seleção, apenas de seu clube de coração.

VIII) Futebol é politicamente incorreto. Porque você ainda vai rir de uma piada preconceituosa num estádio.

IX) Futebol é machista. É um prolongamento do mandamento anterior, mas é um item tão importante que vale destacar. Se você vai levar sua filha a um jogo prepare-se para ouvir vários “Aê, sogrãããão!!”. Quer levar a namorada? Engula seco quando disserem “Fala, sócio!”. Não me levem a mal, mulheres. Adoramos vocês e queremos que vocês frequentem estádios. É seguro. Mas nem se vocês forem vestidas com trajes GGG desbotados vão escapar de ouvir assovios, aquele barulho de “chupada”, além de grandes pérolas populares contemporâneas como “ê, lá em casa”, “diliça”, “ah, se eu fosse homem” e afins. E se vocês ouvirem a torcida inteira gritando “Gostosa!Gostosa!Gostosa!” é para se sentir lisonjeadas, não envergonhadas. Afinal, vocês são realmente gostosas. Para o nível de um estádio, esses gritos equivalem à melhor cantada que vocês já levaram.

X) Futebol é coisa séria. (mandamento auto-explicativo)

Mitos

Algumas coisas são tão faladas sobre futebol que se tornam “verdades”. Mas são mitos quando comparados à realidade. Vamos a alguns deles.

1) Futebol é o ópio do povo. Você já viu o comportamento de um torcedor de futebol? Já viu alguém chapado de ópio? O raciocínio não fecha. Nelson Rodrigues deve ter criado essa frase depois de uma derrota do Fluminense, ao sentir o ébrio da tristeza. É como dizer que uma câmera de TV é a ritalina da Narcisa Tamborindeguy.

2) Brasileiro é fanático por futebol. Só alguns são. Como disse um ex-professor meu, brasileiro é fanático por festa e aproveita o embalo da Copa do Mundo e jogos em geral para fazer várias. Olhe o comportamento abobalhado dos brasileiros na Copa: nas ruas, nos bares ou nas casas. E depois veja um jogo Boca Juniors x River Plate ou Fenerbahce x Galatasaray e entenda o que de fato são fanáticos por futebol.

3) Futebol aliena. Estou à sua disposição para discutir isso depois que você terminar de assistir as três novelas, o jornal, o BBB, o Aprendiz e de passar três horas diárias na internet entre orkut, MSN e facebook. (Mas não pode ser me horário de jogo).

4) O futebol destrói relações de casais. Mentira. Falta de verdade. Calúnia. Patuscada. Futebol não destrói porcaria nenhuma. Uma relação ou já nasce problemática ou desenvolve neuras por incompatibilidades sexuais, emocionais, virtuais e até musicais. Mas nunca pelo mundo da bola. Se seu marido/namorado/amante/quebra-galho te deixa de lado e prefere assistir a todas as mesas redondas, ou ele gosta e é um imbecil, ou ele usa esse artifício para te evitar. Nos dois casos a solução é um belo voleio na bunda do canalha. Porque ninguém em sã consciência ou com o mínimo de inteligência realmente gosta da boçalidade que essa gente fala nesses programas entre um merchandising e outro. Em caso de dúvidas, deliciosa amiga, releia com atenção o mandamento V se seu namorado broxa nega fogo.

5) Futebol cria rivalidades. Só em alguns momentos para alguns animais. Para o resto é um agregador, o melhor assunto de small talk do Brasil, que pode variar do tom solene ao burlesco. Pausa pro café? Papo de futebol. Quebrar o gelo com o sogrão? Futebol. Não sabe o que falar para o namorado da amiga da namorada que só fala sobre social media? Mais futebol. Tá por fora da conversa sobre a novela? Puxe o futebol. Deu de frente com um cara que odeia futebol? Comece a falar do lado ruim do futebol (ok, eu sei que isso não existe, então invente). Claro que sempre vai ter um metidinho que vai virar a cara. Não se preocupe, ele gosta de algo realmente patético, como White Stripes, por exemplo.

Autor: Rafael Fernandes
Araçoiaba da Serra, 16/6/2010

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